Foi retirada da pauta de ontem da Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda Constitucional 471/05(PEC dos Cartórios), que concede a responsabilidade pelos serviços extrajudiciais aos oficiais substitutos que passaram a ocupar o cargo de titular de cartórios antes da edição da lei que determinou a delegação apenas mediante a aprovação em concurso público. A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) comemorou o adiamento. A entidade é contrária a proposição, por considerar que ela fere os princípios gerais da administração pública.
De autoria do deputado João Campos (PSDB-GO), a PEC altera o parágrafo 3º do artigo 236 da Constituição e estabelece que o ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou remoção, por mais de seis meses, ressalvada a situação dos atuais responsáveis e substitutos, investidos na forma da lei.
Na justificativa, o parlamentar alega que não é justo, no caso de vacância, deixar essas pessoas experimentadas, que estão há anos na qualidade de responsáveis pelas serventias, que investiram uma vida e recursos próprios nas mesmas, prestando relevante trabalho público e social, ao desamparo. Segundo afirmou, justifica-se, todavia, resguardá-los.
As serventias extrajudicias têm como objetivo garantir a publicidade, autenticidade e eficácia dos atos notariais e de registros realizados no País. Trata-se de serviço público, porém prestado por particular, mediante a delegação. O setor é fiscalizado pelas corregedorias de Justiça dos estados; e o ingresso no setor foi regulamentado pelo artigo 232 da Constituição, que estabeleceu como critério a realização de concurso público de provas e títulos.
O principal objetivo do dispositivo constitucional era acabar com as indicações políticas e com os chamados cartórios hereditários, pelos quais os titulares nomeavam como substitutos seus filhos, que assumiam as serventias quando esses se aposentavam. A regulamentação da regra só veio em 1994, com a edição da Lei 8.935. Segundo João Campos a norma não foi clara quanto à situação dos responsáveis e substitutos desses serviços.
Também de acordo com ele, apesar do tempo transcorrido desde a edição da legislação, no que se refere às regulamentações estaduais, ainda se encontra em fase de estudos ou propostas nas assembléias legislativas. Ou seja, ainda não foram todos os estados que implantaram o concurso. Exemplifica isso o Estado da Bahia. Recentemente, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabeleceu prazo para que o Tribunal de Justiça local elaborasse plano e cronograma que permitisse a delegação das serventias cujos titulares deixaram os cargos em razão de aposentadoria ou falecimento.
Pela PEC original, todos que exercessem a função há mais de cinco anos na promulgação da emenda teriam o direito de continuar na atividade. Segundo o João Campos, os concursos serão obrigatórios depois da aprovação da emenda. O objetivo da PEC, de acordo com ele, é tão somente o de assegurar a continuidade, na atividade, das pessoas que já trabalhavam no setor no período entre a promulgação da Constituição e a edição da Lei 8.935/2004.
O presidente da AMB, Mozart Valadares, disse que a PEC é prejudicial porque mantém no cargo pessoas que não tiveram o conhecimento devidamente aferido por meio do concurso público. Segundo afirmou, a entidade preparará uma nota técnica contra a proposta, que será encaminhada a todos os parlamentares. Vamos distribuir a todos os líderes partidários uma manifestação contrária à aprovação da PEC, disse o magistrado, acrescentando: - A proposição vai de encontro ao mecanismo legal de acesso ao serviço público; trata-se de uma forma de burlar o concurso público e efetivar quem não teve o mérito avaliado, e é contra os princípios da administração pública. O artigo 37 da Constituição enumera esses princípios: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. E esses princípios estão sendo atingidos quando se tenta efetivar pessoas em cargos públicos sem o concurso - disse.
De acordo com Mozart Valadares, o fato de nem todos os tribunais terem implantado o concurso público para preenchimento das serventias não é desculpa para a aprovação da medida proposta. Um erro não pode justificar outro, afirmou.
Na semana passada, o CNJ também emitiu nota técnica condenando a PEC. Segundo o órgão, a proposta é um descompasso histórico, porque vulnera princípios constitucionais do Estado Democrático de Direito protegidos até mesmo contra o poder reformador do poder constituinte derivado.
Fonte: Jornal do Comércio
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