Pular para o conteúdo principal

Testamento público: publicidade equivocada

Por LUCAS DE ARRUDA SERRA
O Testamento Público lavrado por Tabelião de Notas a primeira vista parece que por ser “Público” pode qualquer pessoa ter acesso ao mesmo. É público afinal?!
Na verdade o Testamento Público é chamado de público por ser lavrado por Oficial público em seu livro Notas, e não que esteja à disposição de toda e qualquer pessoa que queira ter acesso as disposições de última vontade do testador.
Maria Helena Diniz, ensina: “Não deve, pois, só porque chamado de `público´, ficar aberto, permitindo-se o seu acesso a qualquer pessoa” (Curso de Direito Civil Brasileiro, 6. Direito das Sucessões, 21ª edição-2007, pag. 203).
O testamento é feito para ter efeito após a morte do testador e o seu prévio conhecimento pode causar alguns transtornos àquele que testou, não sendo prudente permitir que qualquer pessoa possa solicitar certidão e obtê-la, sem, no entanto, comprovar o óbito daquele que testou. O acesso enquanto vivo o testador pode ser permitido a ele mesmo ou a qualquer outro que por justificado motivo obtenha autorização judicial para tanto.
Já ouvi falar que, querendo o testador o sigilo do ato seu testamento que o faça por Testamento Cerrado e não o pelo Público, pois, o público todos poderão acessá-lo. É lamentável tal pensamento, pois está dando ao Tabelionato de Notas a mesma publicidade que de rigor é do Registro Imobiliário. O Tabelionato é diferente, nem tudo ali lavrado poderia, em tese, dar a mesma publicidade dada no RI (Registro de Imóveis), e, é aí que reside o equivoco.
Quando o Tabelião lavra o Testamento Público, comparece o testador e as suas testemunhas, e o conhecimento dos termos ali inseridos fica restrito a esses participantes, não podendo qualquer outro ter acesso, exceto os funcionários da Serventia que terão acesso e conhecimento, uma vez que trabalham com todo arquivo do Serviço Notarial (digitação de índice, por ex.), mas essas pessoas devem manter o devido sigilo, o Tabelião em virtude da profissão, as testemunhas em respeito ao testador, e os funcionários da Serventia também por dever de profissão, por isso que todo funcionário deve ser bem treinado e capacitado para a função que vai exercer.
Não poderíamos dizer que o sigilo seria absoluto, pois até mesmo através das testemunhas que participarão do ato outras pessoas poderiam ter conhecimento do que estabeleceu o testador, mas, mesmo assim, não ficaria o ato totalmente à disposição de qualquer pessoa, inclusive por segurança do próprio testador.
O equivoco da publicidade dos atos notariais, também afeta as escrituras de Separações, Divórcios, Inventários e Partilhas, feitas nos termos da Lei 11.441/07, uma vez que se entendeu que ali, por ser consensual, não há sigilo (Res. 35/07 do CNJ, e Prov. CGJ/SP nº 33/2007), diante disso, qualquer pessoa pode ter acesso, o que poderia ficar restrito somente as partes do ato (partes e advogado), evitando-se, por exemplo: que qualquer pessoa tenha acesso a todo o patrimônio (do Brasil todo) partilhado daqueles que se separam, já devidamente relacionados e ainda o conhecimento do valor mensal da pensão alimentícia, entre outros. Uma escritura deste tipo deveria ser do conhecimento somente das partes, do advogado, e caso qualquer outro solicite certidão, que a certidão fosse expedida por extrato, relatando somente o principal (separou, voltou a usar o nome de solteira), e não tudo o que ali foi consignado, da mesma forma, se expedisse um traslado para cada uma das partes para os necessários registros junto aos órgãos competentes (RI, Detran, Bancos, etc), e para o Registro Civil das Pessoas Naturais somente uma certidão por extrato (como Mandado de Averbação, só o principal).
É como acontece com o Testamento, para que deixar livre o acesso se o conhecimento do seu conteúdo pode trazer consequências desastrosas ao próprio testador, da mesma forma a Lei 11.441/07, por que não ter sigilo?
O equivoco em relação a publicidade dos atos notariais, leva muitas pessoas a evitar o testamento público e a buscar outra forma de testar (cerrado, por exemplo), com receio que em fazendo o público todos possam ter acesso. Como também na Lei 11.441/07, muitos buscam a via judicial, porque lá tem o sigilo.
A professora Maria Helena Diniz, na mesma edição acima citada (pag. 203), cita José de Oliveira Ascenção, que resume “a melhor doutrina: `Note-se que a qualificação como público de um testamento não significa que ele esteja aberto desde logo ao conhecimento de todos: a publicidade, aqui, refere-se antes à oficialidade na sua autoria material. Enquanto o testador vive, o testamento é mantido secreto e só após a morte dele se poderá dar conhecimento a outras pessoas`  (Direito Civil – Sucessões, Coimbra Ed., 2000, nº 33, p.63)”.
Ainda a mesma autora, comenta o Projeto de Lei nº 6.960/2002 (hoje, já arquivado), que tinha intuito de transformar o parágrafo único do artigo 1.864, em § 1º, acrescentando o 2º, com a seguinte redação; “A certidão do testamento público, enquanto vivo o testador, só poderá ser fornecida a requerimento deste ou por ordem judicial” (Pag. 203, 6.Direitos da Sucessões, Ed.2007).
Mais adiante, ainda a professora, cita o parecer de Vicente Arruda, em relação ao Projeto acima referido, esclarecendo que para ele “desnecessário seria `a inclusão do parágrafo proposto, pois a inviolabilidade do testamento, seja ele público, particular ou cerrado, constitui direito individual garantido pela Constituição Federal, no inciso X de seu art. 5º´” (Pag. 204, Curso de Direito Civil Brasileiro, 6. Direito das Sucessões, 2007 Ed. Saraíva, 21ª Edição).
 O Mestre, Carlos Luiz Poisl (Tabelião aposentado – Novo Hamburgo/RS), em seu artigo intitulado como “O Testamento Público é público?”, após deixar claro que o Testamento Público não é público, frisa que: “Não é de acolher o argumento de que o testador, não querendo ver conhecidas por outrem as suas disposições, deve optar pelo testamento cerrado. São muitas as circunstâncias que levam à preferência do testamento público, inclusive por encerrar maior garantia, tanto de conservação, como de expressão fiel da vontade do testador, expressada, no caso, de viva voz e interpretada por um jurista com conhecimentos especializados, como o é o tabelião. O testador fará o testamento cerrado se contiver declarações que não deseja dar a conhecer nem às testemunhas presentes à solenidade de sua aprovação. Porém este é um outro assunto, não cabendo o seu desenvolvimento neste artigo”.
Continuando o mestre Poisl, esclarece ainda:
“Fora do Brasil, via de regra, nem sequer a escritura púbica em geral, não testamentária, pode ser conhecida por qualquer pessoa. Somente aos interessados no negócio, a exclusivo critério do tabelião, pode este fornecer cópia dela. Quanto ao testamento público, é norma geral a proibição de fornecer certidão a quem quer que seja, enquanto vivo o testador. A única exceção é quando a solicitação é feita pelo próprio testador ou por seu procurador com poderes específicos para tanto”. (Ver link abaixo)
(http://www.cartorioastori.com.br/artigos/art_inc59d7.html?art=artigos/clp001.htm)
Sobre isso, João Teodoro da Silva, em seu artigo “Discrição quanto às disposições Testamentárias e Caráter Público dos Atos Notariais”, afirma que: “No Brasil, infelizmente, à falta de preceitos legais que regulem o segredo profissional no tabelionato de notas e o acesso aos livros notariais, não se tem consciência clara do caráter especialmente sigiloso da escritura pública de testamento. Ao revés, sente-se que aqui costuma predominar o consenso vulgar de ser acessível a todos o ato notarial, por ser público. É que se carece de compreender o exato sentido do qualificativo “pública”, em seguida ao vocábulo “escritura”, ou do qualificativo “público”, em seguida ao vocábulo "testamento". (Trecho extraído de “SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA E REGISTRO CENTRAL DE TESTAMENTOS – CADERNO III – APONTAMENTOS DE DIREITO E PRÁTICA NOTARIAL”, de JOÃO TEODORO DA SILVA, edição patrocinada pela SERJUS, BH, págs. 56 a 65. )  (Vide link abaixo)
Mas adiante, no mesmo trabalho do professor, João Teodoro da Silva, frisa que: “É mister que se apague a idéia desse conflito aparente com a consideração de que o ato notarial, para surtir seus efeitos, não necessita de publicidade, no sentido de estar acessível ao conhecimento de terceiros, a fim de se revestir de eficácia erga omnes, o que se obtém através dos mecanismos dos registros públicos adequados a esse objetivo”  (Trabalho: “Discrição quanto às disposições Testamentárias e Caráter Público dos Atos Notariais”, acima citado).
No mesmo sentido, o professor Angêlo Volpi Neto, em seu trabalho “Testamento Público? Nem tanto...” (Boletim Cartorário – Edição 3, ano 1999), que diz: “Sendo questionado reiteradas vezes sobre a publicidade desse ato, tenho entendido que apesar de público o testamento reveste-se de sigilo, tornando-se exceção à regra geral dos atos praticados pelo notário. Tal entendimento fundamenta-se no direito comparado e nas próprias características desse ato. Vejamos a opinião de alguns juristas, como por exemplo, Cunha Gonçalves, que afirma: `que tal forma de testar, embora se chame público, é um ato de algum modo secreto até a morte do testador´ (....)  Zeno Veloso, em seu livro `testamentos de acordo com a constituição de 1988´ edições CEJUP, Belém-PA, afirma: `afinal o testamento embora seja válido desde a sua elaboração, é negócio jurídico cuja eficácia jurídica se acha diferida. Os efeitos da testamentificação só se dão post mortem, sendo, ainda ato essencialmente revogável. Não tem sentido que terceiros (muitas vezes com interesses escusos) tomem conhecimento das disposições mortuárias, em vida, do testador´.”
O professor Felipe Leonardo Rodrigues, no seu trabalho DA IMPOSSIBILIDADE DE EXPEDIÇÃO DE CERTIDÃO (POR SIMPLES REQUERIMENTO) DE TESTAMENTO PÚBLICO, após citar vários autores, bem como Normas de alguns Estados (RS e PR) que já proíbem expedir certidões de Testamento enquanto vivo o testador, a não ser a requerimento deste, concluí que: Do exposto, concluímos pela necessidade de regramento taxativo sobre a matéria ventilada, no entanto, parece-nos – pelos elementos normativos e pareceres existentes –, da possibilidade ou não de expedição de certidão de testamento público (com ou sem cláusula de sigilo) em vida do testador, para nós, enquanto vivo só a este ou seu procurador com poderes especiais.

Tal entendimento baliza-se numa interpretação sistemática aplicada sobre o Estatuto Notarial segundo o qual nos atos notariais ventila-se uma publicidade mais restrita (Lei 8.935/94, art. 6º, inciso II, parte final) quanto àquela decorrente dos registros públicos (Lei 6.015/73). Ademais, a publicidade decorre do registro dos instrumentos especiais nos registros públicos – repositório de instrumentos e documentos – ao qual todos devem ter acesso.

Por outro raciocínio, dificultoso sustentar – sem embasamento legal – a imposição do testamento cerrado para aqueles (testadores) que desejam ver suas disposições restringidas aos olhos de terceiros estranhos ao seu convívio, ainda mais se tratando de pessoas visadas e influentes no circulo social.

Além do mais, o direito de petição – previsto expressamente na Constituição Federal – está em pleno vigor, basta o solicitante requerer a certidão do testamento público ao juiz corregedor permanente competente, invocando as razões necessárias, sobre as quais o juiz decidirá”.
(http://www.notariado.org.br/docs/art_flr_01.pdf)

Contrário a todos os entendimentos acima expostos, Silvio Rodrigues comenta: “Como os livros de notas são públicos e como qualquer pessoa pode obter certidão de seu conteúdo, o testamento público, como o seu nome o declara, não enseja ao testador a possibilidade de ocultar sua disposição de última vontade” (cf. “Sucessões”, ed. 1976, ps. 114-115) - citado em http://www.6oficiobh.not.br/doc/07.doc - extrato de  “SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA E REGISTRO CENTRAL DE TESTAMENTOS – CADERNO III – APONTAMENTOS DE DIREITO E PRÁTICA NOTARIAL”, de JOÃO TEODORO DA SILVA, edição patrocinada pela SERJUS, BH, págs. 56 a 65.
Creio não ser possível fornecer certidão de Testamento Público enquanto vivo o seu testador, diante da vasta doutrina acima demonstrada, apesar de existir entendimentos contrários, mas o Direito Notarial vêm criando novas linhas de pensamento e aos poucos conquista seu espaço no campo do Direito.
Existindo pedido neste sentido, que o Tabelião ou seu preposto, solicite que a parte (caso não seja o testador, e ainda sendo ele vivo) requeira por escrito, fundamentando o pedido, sendo o mesmo submetido ao MM. Juiz Corregedor Permanente, que obviamente vai negar o pedido.
Aos poucos, o Direito Notarial vem conquistando seu espaço, redesenhando sua face ao longo dos tempos, discutindo tendências e sedimentando conceitos, e essa evolução já se vem discutindo de longa data, a exemplo do texto de Rufino Larraud, intitulado “A Evolução do Direito Notarial” (RT 268/pags.26-44), traduzido para o português pelo Doutor Antônio Augusto Firmo da Silva, Tabelião de São Paulo, texto esse que demonstra o quanto é importante essa atividade, e, ainda assim, hoje tenho a sensação que é tão desconhecida por tantos.
Artigo publicado na última edição do Jornal da ARPEN-SP (edição Junho/2009)

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Não comprovada fraude, deve ser respeitada a meação do cônjuge

Não comprovada a ocorrência de fraude, deve ser respeitada a meação prevista na sentença homologatória da dissolução da sociedade conjugal. Assim decidiu a 1ª Câmara do TRT da 15ª ao negar provimento a Agravo de Petição, tentando modificar sentença da Vara do Trabalho de Lorena, no Vale do Paraíba. O agravante é o espólio do cônjuge varão. A primeira instância havia julgado procedente em parte Embargos de Terceiro, liberando a penhora, correspondente a favor da agravada. O agravante insistia na penhora total do crédito, relativo à venda do imóvel. Segundo ele, não deveria prevalecer a meação da separação conjugal, objeto de acordo judicial, em face da invalidade dos documentos oferecidos como prova, pois não estariam revestidos das formalidades legais. Alegava, ainda, que a dívida trabalhista inseria-se na cláusula do acordo para dissolução da sociedade conjugal que recai sobre o imóvel, a ser suportado pelo cônjuge varão, tendo a agravada se beneficiado dos serviços prestados pelo Agr

Integralização ou desincorporação de bens imóveis por instrumento público

Por Viviane Souza Vieira Dispõe o artigo 64 da Lei 8.934/94 acerca do Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins, nos seguintes termos: Art. 64 A certidão dos atos de constituição e de alteração de sociedades mercantis, passada pelas juntas comerciais em que foram arquivados, será o documento hábil para a transferência, por transcrição no registro público competente, dos bens com que o subscritor tiver contribuído para a formação ou aumento do capital social. O Oficial de Registro de Imóveis analisa 8 hipóteses ante o registro da integralização ou desincorporação de bens imóveis (transferência de imóvel entre o sócio e a sociedade): 1. formação de capital social de sociedade registrada na Junta Comercial; 2. aumento de capital social de sociedade registrada na Junta Comercial; 3. redução de capital social de sociedade registrada na Junta Comercial; 4. extinção de capital social de sociedade registrada na Junta Comercial.; 5. formação de capital social de sociedade regist