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Faroeste no interior

Por LUCAS DE ARRUDA SERRA*

É lamentável a notícia que tive no início deste novo ano (2011) sobre fato ocorrido na cidade de Nova Europa, interior do Estado de São Paulo, merecendo aqui sua devida divulgação para defesa da Instituição de Notas e de Registro deste País.

A Serventia de Notas e de Registro da cidade recebeu a visita de fiscais municipais (ISS), acompanhados do agente tributário do município, de funcionários e ainda da Polícia Militar, com finalidade de retirar do recinto da unidade cartorária os livros diários de receita e despesa para serem periciados ou analisados na sede da Prefeitura Municipal local.

Um verdadeiro abuso!

A visita que contou com toda a estrutura articulada pelo município e teve o apoio da Polícia Militar; teve como tempero arrogância exagerada por parte de um dos fiscais do município.

Um verdadeiro absurdo um fato como este, ocorrido no centro do Estado de São Paulo em pleno século XXI. Constrangimentos e destemperos fizeram parte da atuação municipal junto a Serventia de Notas e de Registro.

Notários e registradores prestam serviço público por delegação do Estado. O serviço é do Estado e é delegado ao particular concursado que desenvolve a prestação desse serviço à população; funcionando esse serviço em caráter privado, conforme prevê o artigo 236 da Constituição Federal do Brasil:

“Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.

§ 1º. Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Público.

§ 2º. Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.

§ 3º. O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses
.”

Após concurso Público, a pessoa física que obteve êxito, passando por fases rigorosas, consegue que lhe seja outorgada uma Delegação de Notas ou de Registro pelo Estado, portanto, merece todo respeito da população e de suas autoridades locais.

É um serviço essencial prestado à população por Delegados do Serviço Público e é inconcebível a autuação municipal exercida junto ao Cartório daquela localidade, tendo seus funcionários que se render ao autoritarismo municipal apoiado pela força policial. É uma violência contra a Instituição Notarial e de Registro.

É realmente lamentável; uma situação até difícil de narrar!

O Oficial ou Registrador ou Tabelião ou Notário, como assim designa a Lei 8.935 de 18.11.1994, são pessoas competentes aprovadas em rigoroso concurso, como já disse, e merece todo nosso respeito e consideração.

Todas as autoridades devem respeitar o Registrador e Tabelião de cada município deste País, pois se dedicam a prestar um verdadeiro trabalho de cidadania todos os dias; atendem na maioria das vezes uma população necessitada que a cada dia busca mais o conhecimento de seus direitos.

O serviço do Registrador ou Notário é servir, servir e bem servir. É um braço do Estado, que se estende a toda a população e principalmente aos mais necessitados. Às vezes os usuários necessitam de serviços, outras vezes de informações ou até mesmo de conselhos, de falar algo que nem mesmo o advogado dele se dispõe a ouvir, mas sempre encontra em qualquer município deste País um Registrador ou Notário disposto a escutar e ajudar.

Quando tenho conhecimento de algo contra qualquer Notário ou Registrador, de forma negativa - agressiva, é como uma apunhalada nas costas, de quem não conhece a prestação desse serviço público delegado. Aliás, é uma das poucas coisas que deu certo neste País; leva informação e um serviço digno ao cidadão e merece todo reconhecimento de qualquer autoridade no Brasil.

A fiscalização (ISS) do município chegou ao Cartório com objetivo de levar ao setor administrativo do referido município os livros diários da Serventia. A comitiva foi composta por dois fiscais, o agente tributário, uma funcionária e dois policiais militares. Um fato constrangedor e de verdadeiro abuso.

Os fiscais que buscavam a retirada dos livros diários da Serventia, sem exibir qualquer documento de autorização do MM. Juiz Corregedor, agindo com arrogância e abuso junto aos funcionários da Serventia.

É, realmente, lamentável tal situação de total desrespeito ao Delegado da Serventia e aos seus funcionários. Parece que estamos vivendo num faroeste em que muitos não têm VOZ, nem meios para se fazerem ouvir. Isso aconteceu no Interior do Estado de São Paulo, autoridades, em especial de Notas e de Registros, olhem para isso! O apoio deve ser imediato e instantâneo, ou seja, JÁ.

É inaceitável ver servidores da Justiça sendo agredidos de uma forma vil, imprópria, ou no mínimo desrespeitosa. Notários e Registradores estão prontos para servir a população e qualquer autoridade que necessite de seus serviços ou seu apoio. Qualquer dificuldade que alguma autoridade tenha em relação a um Notário ou Registradores deve recorrer ao MM. Juiz Corregedor da Unidade para que intervenha junto ao servidor responsável pelo Serviço e não agir desse modo coercitivo.

Existe um Juiz Corregedor responsável por cada Unidade Registral ou Notarial e a ele devem ser remetidas qualquer indagação, reclamação ou dúvida em relação aos serviços prestados pelas Unidades ou qualquer discordância em relação a elas.

O fato se deu na quarta-feira, no dia 29 de dezembro de 2010, dia que antecedeu o feriado municipal (30.12) da cidade, um dia propício para esse tipo de fiscalização e demonstração de “Poder” pelos agentes municipais.

O foco disso tudo se deu em função da cobrança do ISS, que gerou ações por todo Brasil sobre a possibilidade de cobrança por percentual ou pela alíquota fixa. Uns entendem que deve aplicar a alíquota fixa e outros pelo percentual, sem entrar no mérito da cobrança, o respeito deve prevalecer em ambos os lados (município x cartório).

Em Nova Europa-SP existia cobrança pela forma de valor fixo anual e hoje o município deseja alterar para o valor em percentual, o que é até aceitável, mas para isso não se admite agressividade, desrespeito ou abuso de poder, ainda mais com pessoas que todo dia se dispõe a servir.

A Lei dos Notários e Registradores é rigorosa com seus agentes em relação aos seus livros, diz o parágrafo único do artigo 46 em relação aos seus livros, fichas, documentos, papéis, microfilmes e sistemas de computação:

“Se houver a necessidade de serem periciados, o exame deverá ocorrer na própria sede do serviço, em dia e hora adrede designados, com ciência do titular e autorização do juízo competente”.

O Tabelião ou Registrador é responsável pela guarda dos livros, devendo mantê-los sob sua guarda e responsabilidade, zelando por sua ordem, segurança e conservação.

Em consulta sobre o acesso aos livros dos Serviços Notariais e de Registros, podemos extrair do parecer (não publicado) da lavra do Doutor VICENTE DE ABREU AMADEI, MM. Juiz Auxiliar da Corregedoria Geral da Justiça, aprovado pelo então Corregedor Geral da referida Corregedoria, Doutor Gilberto Passos de Freitas, o seguinte:

Não se pode deixar de ter em conta que, iluminado pelo princípio maior de segurança jurídica, entre os primeiros deveres dos oficiais de registro, consta o de manter em ordem os livros, guardando-os em locais seguros (artigo 30, I, da Lei 8935/94; artigo 24 da Lei nº 6.015/73), integrando-se como cautelas decorrentes desse dever de conservação dois óbices: a) primeiro, o da deslocação dos livros de registros, bem como das fichas que os substituam, para fora da unidade de serviço, salvo mediante autorização judicial (artigo 22 da Lei nº 6.515/73); b) segundo, o da publicidade direta (“consulta visual”) dos referidos livros e fichas que os substituam (artigo 16 da Lei nº 6.015/73, a contrario sensu). Afinal, em ambas as situações (deslocamento não autorizada e publicação direta), os livros e as fichas que os substituam estariam expostos aos riscos de dano ou perda, graves prejuízos ao serviço público delegado”. (Parecer 18/2006-E – Protocolado CG nº 42.249/2005)

Os Tabeliães e Registradores são responsáveis pelos livros da Serventia (parágrafo único do artigo 46 da Lei 8935/94), e quando houver a necessidades de serem periciados, a perícia deverá ser feita na própria sede do serviço, em dia e hora previamente estabelecidos, com ciência do titular e autorização do juízo competente (Corregedor Permanente) e tal perícia deve ser todo tempo acompanhada pelo Oficial ou funcionário designado para esta finalidade.

Em relação a isso, em parecer da lavra do Doutor Roberto Maia Filho, MM. Juiz Auxiliar da Corregedoria (em parecer não publicado pela imprensa oficial), em expediente quando se questionava sobre a retirada do recinto do Serviço Notarial de ficha padrão para a realização de perícia por autoridade policial, disse:

Há, pois, expressa vedação legal para a retirada das fichas do recinto do tabelionato, razão pela qual, em face da disposição normativa específica, cabe, s.m.j., declarar que o exame deverá ocorrer na própria sede do serviço notarial, em dia e hora adrede designados pela autoridade policial, com ciência do tabelião e autorização do MM. Juízo Corregedor Permanente” (Protocolado nº 54.276/2005, parecer 08/06-E, aprovado pelo então Corregedor Geral da Justiça, Doutor GILBERTO PASSOS DE FREITAS)

Podemos ainda extrair do parecer acima que o MM. Juiz Auxiliar da Corregedoria ao analisar a legislação vigente (parágrafo único do artigo 46, da Lei 8.935/94) se referiu ao MM. Juiz Corregedor Permanente, quando a Lei se refere “autorização do juízo competente” (parágrafo único, do art.46 LNR), diante disso, constatamos que o “juízo competente” citado pela Lei é o Juiz Corregedor Permanente, portanto, em perícia a ser realizada na Serventia não basta perito munido de ordem judicial, deve existir antes o cumprimento das formalidades a que a Lei determina (ciência do Oficial ou Tabelião, e autorizado do MM. Juiz Corregedor Permanente).

Vale a pena constar parte do excelente parecer da Corregedoria Geral da Justiça do Rio de Janeiro, datada de 12 de março de 2009, da lavra dos MM. Juízes de Direito Doutores Eduarda Monteiro de Castro Souza Campos, Gustavo Quintanilha Telles de Menezes e Luiz Eduardo de Castro Neves, devidamente aprovado pelo então Corregedor Geral da Justiça, Desembargador Roberto Wider, a saber:

Necessário ainda considerar que o legislador federal infraconstitucional assim dispôs com relação à fiscalização da autoridade tributária, através do artigo 195, do Código Tributário Nacional:

Art. 195. Para os efeitos da legislação tributária, não têm aplicação quaisquer disposições legais excludentes ou limitativas do direito de examinar mercadorias, livros, arquivos, documentos, papéis e efeitos comerciais ou fiscais dos comerciantes, industriais ou produtores, ou da obrigação destes de exibi-los
. (grifos nossos).

Já a Lei nº 8.935/94 assim dispõe quanto aos notários e registradores:

Art. 3º Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro. (grifos nossos)

Por tal, observa-se que a interpretação literal dos dispositivos legais acima transcritos conduz à inequívoca conclusão de que os livros notariais e de registradores não se encontram circunscritos à fiscalização da autoridade tributária da municipalidade. A uma, porque o legislador infraconstitucional não incluiu a figura dos notários e registradores entre aqueles profissionais para os quais foi expressamente determinado o afastamento de qualquer disposição legal que pudesse excluir ou limitar os direitos da fiscalização da autoridade tributária. E, a duas, porque, sem qualquer sombra de dúvida, não se pode confundir as naturezas jurídicas dos comerciantes, industriais ou produtores, nominalmente citados no aludido artigo 195 do CTN, com a natureza jurídica do notário ou registrador, expressamente definida no artigo 3º, da lei nº8. 935/94.”
(Processo 2008-221348, Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro)

Diante disso, como defensor dos Serviços Notariais e de Registros deste País, peço as autoridades (Arpen, Anoreg, CNB, etc) que verifiquem o ocorrido no dia 29 p.p. na cidade de Nova Europa-SP no Cartório local, dando o apoio necessário a Tabeliã e seus prepostos, pois prestam um grande serviço àquela população e não merecem tratamento dado naquela oportunidade.

Araraquara, 02 de janeiro de 2011.

* Ex-preposto designado do Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do município de Nova Europa-SP.

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