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PEC 471/05 (PEC dos Cartórios). Gambiarra legislativa*

*Publicado originalmente em 29.09.2009

Está prevista para hoje, em sessão extraordinária da Câmara dos Deputados, a votação da PEC 471/05, também conhecida como "PEC dos Cartórios" ou "PEC Trem da Alegria", por meio da qual se busca efetivar os titulares de serviços notariais e de registro, sem concurso público.

A proposta vem na contramão da Resolução 80/09 do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e, principalmente, em oposição à própria Constituição Federal de 1988.

A CF/88, em seu art. 236, 3º prevê, de forma expressa 3º que "o ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses. Trata-se do princípio do concurso público.

No entanto, a regulamentação de tal exigência se deu apenas em 1994 (Lei nº. 8.935/94). Assim, o objetivo principal da PEC 471/05 é assegurar o cargo vitalício para quem exerceu a função durante esse período sem regulamentação, ou seja, de 1988 (data da promulgação da vigente Constituição Federal) a 1994 (publicação da Lei nº. 8.935/94).

De acordo com pesquisa realizada pelo CNJ, existem hoje no Brasil, mais de 13.416 cartórios, dos quais, apenas 9,7 mil estão em condições regulares. O restante é dirigido "interinamente".

Um absurdo que pode vir a ser "legalizado", na hipótese da aprovação da PEC 471/05. Contra essa realidade, o CNJ editou, em junho deste ano, a Resolução 80/09 que declara "a vacância dos serviços notariais e de registro cujos atuais responsáveis não tenham sido investidos por meio de concurso público, na forma da Constituição Federal de 1988".

Uma determinação que deve afastar cerca de quatro mil funcionários responsáveis por cartórios de todo o País, que trabalhavam sem terem passado por concurso público, conforme a Constituição de 88. Sem dúvida, uma medida que deve trazer benefícios aos usuários do serviço, que passarão a ser atendidos por pessoas qualificadas.

Uma confusão deve ser desfeita nesse momento. Não se buscou, com a Resolução 80/09, atingir direitos daqueles que já titulares de cartórios antes da CF/88. Esses foram resguardados (art. 4º, parágrafo único, a, da Resolução 80/09). Ora, e não poderia ser diferente: a exigência do concurso público surgiu apenas com a nova ordem constitucional de 1988.

Assim, conforme visto, tanto a PEC 471/05 como a Resolução 80/09 do CNJ, se relaciona estritamente com aqueles que assumiram o serviço de tabelionato entre 1988 e 1994.

Faço minhas, as palavras do Min. Gilmar Mendes: "efetivar titulares de cartórios não concursados é uma gambiarra". Sem falar da patente inconstitucionalidade. Se, por ventura, a PEC 471/05 vier a ser aprovada hoje, contamos com a sabedoria dos Ministros do STF para declará-la inconstitucional.

Autor: Luiz Flávio Gomes, Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP e Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Pesquisadora: Patricia Donati.

Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. DONATI, Patricia. PEC 471/05 ("PEC dos Cartórios") em votação - mais uma "gambiarra" legislativa. Disponível em http://www.lfg.com.br - 29 setembro. 2009.

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