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Isso aí ao lado é um cartório


Cartório rentável é privilégio de poucos. A maioria das serventias no Estado é deficitária. Trabalham na base do improviso. No terceiro dia, a série Carimbo suspeito enfoca as duas faces da atividade. Enquanto poucos cartórios faturam milhões, a grande maioria tem movimento perto de zero. E ainda assim, continuam atendendo à população.

A vida e o trabalho de Luís José de Santana, 48 anos, desmistificam uma imagem: a de que assumir um cartório significa ficar rico. Santana é o responsável pelo registro civil da Vila de Saué, distrito de Tamandaré (Mata Sul). Trabalha em uma sala cedida pelo município, sem telefone e com uma máquina de escrever. O espaço é até melhor que o box no mercado público, onde o cartório funcionava até dezembro. Santana conta que sua renda mensal média com a atividade é de R$ 500. "Se não tivesse outra ocupação, já teria deixado o cartório", diz. Ele também é professor da rede municipal na cidade vizinha a Tamandaré, Rio Formoso – onde mora. Por mês, gasta R$ 120 só para percorrer os 30 quilômetros até Saué.

A maioria dos cartórios em Pernambuco, principalmente os de registro civil, são inviáveis financeiramente. Funcionam de forma improvisada, alguns até em quartos, nas residências dos escrivães. Em Buenos Aires (Mata Norte), o telefone do único cartório local, responsável por registro civil e notas, é um orelhão. "A gente vai usando. O telefone é público", afirmou o responsável pela serventia, Alberto Carlos Vasconcelos, 44 anos. O orelhão também serve de contato para um supermercado, vizinho ao tabelionato.


Um levantamento do JC, com base em dados da arrecadação dos cartórios em 2008 fornecidos pela Corregedoria-geral de Justiça, mostra que a atividade repete a grande concentração de renda que permeia a sociedade brasileira. Uma minoria fica com a maior fatia das receitas, enquanto a imensa maioria passa dificuldades. Dos 498 cartórios no Estado, 150 (30,52%) tiveram arrecadação zero. Outros 89 cartórios (17,8% do total) arrecadaram menos de R$ 10 mil no ano. Ou seja, na média, 239 serventias, 48% do total, têm renda mensal de R$ 833.

"Há uma distância imensa entre a renda doméstica, digamos assim, de cada cartório. Você encontra cartórios de registro civil até mesmo com renda zero. Isso não existe. Você bota uma bodega, uma tapioqueira, pelo menos ganha R$ 1", diz o presidente da Associação dos Notários e Registradores em Pernambuco (Anoreg-PE), Luiz Geraldo Correia da Silva. "Muita gente tem que buscar uma atividade paralela. Isso ocorre muito no interior", emenda.

Na outra ponta, 21 cartórios arrecadam acima de R$ 1 milhão por ano. Eles faturaram juntos, em 2008, R$ 61,8 milhões, dos R$ 97,4 milhões movimentados em todo o Estado. Isso significa que 65,4% do faturamento de toda a atividade, em Pernambuco, está nas mãos de só 4,21% das serventias. A disparidade pode explicar o fato de o Estado figurar como o segundo do País em número de cartórios vagos, ocupados por escrivães substitutos. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Pernambuco, com 235 cartórios vagos (47,4% do total), perde apenas do Piauí. Coincidentemente, o número de vagos é quase o mesmo daqueles com baixa arrecadação, 239.

Quase todos os deficitários são de registro civil, responsáveis por anotar nascimento, óbito e casamento. Depois que uma lei federal instituiu a gratuidade para nascimentos e óbitos, só casamentos podem ser cobrados. E nem todos. Se os noivos declararem não ter condições de bancar o registro sem prejudicar seu sustento, são liberados da taxa. O que mantém o serviço, principalmente no interior, é o Fundo Especial do Registro Civil (Ferc), instituído pela Corregedoria em 1996 e financiado por um percentual da arrecadação de todos os cartórios. Ele compensa o escrivão pela gratuidade. Destina um salário mínimo (R$ 465) para cada cartório e repassa cerca de R$ 20 por ato gratuito. Em março, os R$ 500 de Luís Santana vieram exclusivamente do Fundo. Em Buenos Aires, Alberto Vasconcelos conta que tira em média de R$ 800 a R$ 1 mil por mês, mais da metade pelo Ferc.

Fonte: Jornal do Commercio, 28.04.09

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