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PEC 471 favorece os “donos de cartórios”?


Por Cláudio Gonzaga, aprovado no 41º Concurso do Rio de Janeiro

Entendo que a discussão é positiva, já que o sistema registral e notarial, sem dúvida, padece de distorções. Eis uma distorção aberrante e atual: a PEC 471, que, praticamente, cria uma espécie de usucapião de cargo público. Pessoas que, indevidamente, por inércia do legislativo e do judiciário, auferiram renda por anos ou décadas, querem se eternizar em seus postos desrespeitando o mandamento constitucional do concurso público. Auferiram renda em uma circunstância que ofende o texto constitucional e se posicionam como vítima (detalhe: pessoas que também podiam e podem fazer concurso público). E nossos congressistas querem banalizar a importância do texto constitucional para legitimar o que não pode ser defendido pela razão sem o recurso do cinismo.Há quem pense que a aprovação desta PEC aproveite aos delegatórios de serviços notariais e registrais (os chamados “donos de cartórios”). Na verdade, esta PEC 471 pode interessar a qualquer um, menos a estes, pois impinge a toda uma classe um estigma que não é verdadeiro: o do “atraso”, do “feudalismo”, o de “aproveitadores do sistema”.

Privatização

Quem acha que basta a estatização para solucionar o problema, deve fazer uma visita aos cartórios baianos, que são estatais. São famosos pela demora nos serviços, inclusive na entrega de meras certidões (já me disseram que pode chegar a 75 dias). Os responsáveis por tais cartórios, em caso de erro, não estão sujeitos à enorme responsabilidade civil, administrativa e criminal dos delegatários (estes, em caso de erro, pagam a conta ao usuário) e quem pagará por seus erros é o Estado.Em Portugal, os serviços notariais eram estatais. A partir da década de 90 e até meados da presente década, completou-se um ciclo de privatização da atividade notarial, a fim de modernizá-la e equipará-la ao notariado europeu.Sobre os EUA, país com o maior número de notários (embora lá o “public notary” seja uma figura diferente do nosso notário, o “civil law notary”), já foram trazidas informações pertinentes em “posts” anteriores, principalmente no que diz respeito à insegurança jurídica das transações imobiliárias, que são compensadas pelas seguradoras. Ainda assim, faço constar que o estado da Lousiania é filiado ao Notariado Latino Internacional (como o Brasil, Alemanha, França, Espanha etc.) e o estado da Flórida estuda aproximar seu sistema notarial do nosso, o latino.

Desjudicialização

Os cartórios, sobretudo as notarias (tabelionatos de notas, no Brasil), abrem perspectiva para o desafogamento do judiciário. A partir de 2007, tornou-se possível a realização de inventário, separação e divórcio em cartório: podem ser realizados em qualquer tabelionato do Brasil, conforme a escolha das partes. Quem prega que os valores cobrados pelos cartórios exploram o povo, deve levar em conta que: (1) através de uma simples declaração de pobreza, sem necessidade de comprovação, pessoas probres não pagam absolutamente nada pelo serviço (separação, divórcio); (2) quem não se conformar com os emolumentos e preferir realizar tais atos através do Estado, pode recorrer ao judiciário (e, pagando um bom advogado, aguardar por alguns anos).

Faturamento

Sobre o faturamento dos cartórios, o blog peca pela deficiência e distorção da informação. Segundo levantamento do CNJ, cerca de metade dos cartórios do país percebem menos de R$5.000,00 brutos. Quer dizer, o delegatório tem que custear todo o serviço (funcionários, aluguel, luz, internet e demais despesas) com este valor. E, ainda assim, responder civil e criminalmente em caso de prejuízos causados a terceiros. Esta situação é a de 50% dos cartórios. No entanto, os comentários se concentram na exceção, nos 5% dos cartórios com renda altíssima. Estes dados não deveriam alterar o conteúdo da discussão? Ao invés de se defender a abolição de um sistema notarial e registral que não foi inventado pelo Brasil, mas segue o padrão internacional dos países que herdaram o direito europeu continental (romano germânico), não seria mais útil e proveitoso discutir as distorções deste sistema?Acrescente-se ainda que os novos delegatários, que recebem do estado a delegação por concurso público, têm informatizado os cartórios e modernizado o atendimento com recursos próprios. Quando se fala em atraso, quase sempre se está referindo àqueles que herdaram cartórios sem o crivo do concurso público.

Internet e sistema registral e notarial

A internet provavelmente tornará obsoleta uma série de práticas registrais e notariais, o que será ótimo, pois um mundo mais simples é um mundo melhor. Mas, por outro lado, as transações pela internet, os fatos jurídicos em ambiente eletrônico irão criar outras necessidades a serem supridas pelo sistema notarial, principalmente. É o caso da prova de fatos jurídicos em ambiente eletrônico através da ata notarial. A volatidade da internet requer um lastro de confiança para sustentar as relações sociais estabelecidas neste meio.Aliás, que valor tem um jornal (ex: a Folha de São Paulo) na era dos blogs, na era da informação abundante e gratuita? Seu valor consiste exatamente naquela que é uma das atribuições do sistema notarial e registral: a autenticidade da informação aí veículada e a possibilidade de responsabilização no caso de abusos. A internet requer mais – e não menos – confiança e segurança.

Mark Twain

Enfim, como em muitos outros assuntos, a opinião popular manifestada na internet é barulhenta e quase nunca próxima da realidade, pois, diferentemente do jornalismo profissional, não se dá ao trabalho de verificar dados. Prefere um ataque apaixonado a um bode expiatório à análise acurada e imparcial de fatos. O resultado é uma catarse repentina e inútil: no fim das contas, as coisas permanecem igual ou pioram. Para que possamos melhorar o sistema notarial e registral, o primeiro passo é conhecê-lo como ele realmente é: suas vantagens, desvantagens, possibilidades, utilidades, inutilidades e distorções. Como escreveu Mark Twain, “o problema do mundo não é que as pessoas sabem pouco, mas que sabem muitas coisas que não são.”

Nota

A referência à precariedade da opinião manifestada na blogosfera, evidentemente não inclui jornalistas profissionais (ou do presidente dos EUA) que se utilizam desta ferramenta para o exercício da profissão. A crítica não é ao meio, mas à qualidade da informação produzida pela mistura de desabafo, anonimato e diletantismo.

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