Informativo STF
Brasília, 20 a 24 de outubro de 2008 - Nº 525.
PRIMEIRA TURMA
"Parcela do Solo Criado" e Lei Municipal
A Turma, por maioria, desproveu recurso extraordinário em que questionada a exigência do pagamento da remuneração alusiva à "parcela do solo criado", instituída pela Lei 3.338/89, do Município de Florianópolis. Sustentava-se, na espécie, tratar-se de imposto criado sem base constitucional, o que ofenderia os artigos 5º, XXII; 156 e 182, § 2º, todos da CF. Inicialmente, em votação majoritária, assentou-se a competência da Turma para apreciar o presente recurso, porquanto envolvida apenas discussão sobre a natureza jurídica dessa exação. Vencido, no ponto, o Min. Marco Aurélio que, tendo em conta a alegação de inconstitucionalidade da referida lei, suscitava questão de ordem no sentido de submeter ao Plenário o julgamento do caso. No mérito, entendeu-se que a parcela impugnada não atenta contra o direito de propriedade, uma vez que seu alcance é a remuneração, ao Município, pelo proprietário da edificação em decorrência da utilização de área superior ao coeficiente único não oneroso de aproveitamento. Com base nessa mesma orientação, afastou-se, ainda, o argumento de que a "parcela do solo criado" configuraria tributo. Reiterou-se que se cuida de compensação financeira pelo ônus causado em decorrência da sobrecarga da aglomeração urbana, destinada à formação de um Fundo de Obras Urbanas, sendo dispensada em hipóteses próprias. Dessa forma, concluiu-se pela impossibilidade de sua identificação com qualquer figura tributária a impor uma disciplina legal específica. Vencido o Min. Marco Aurélio que, por considerar que as posturas municipais estabelecem um gabarito para construções verticais, as quais não poderiam ser colocadas em plano secundário com o pagamento efetuado pelo proprietário, provia o extraordinário e declarava a inconstitucionalidade da lei municipal. Precedente citado: RE 387047/SC (DJE de 2.5.2008).RE 226942/SC, rel. Min. Menezes Direito, 21.10.2008. (RE-226942).
NOTAS DA REDAÇÃO
1 - DO RECURSO ESPECIAL N° 226942 O recorrente alega a inconstitucionalidade de lei municipal de Florianópolis que instituiu a "parcela de solo criado". Sustenta que a Lei 3.338/89 viola o direito constitucional de propriedade (artigo 5°, XXII, CF), está em desconformidade com o plano diretor (artigo 182, § 2°, CF) e extrapola a competência constitucional tributária dos municípios (artigo 156, CF), pois a "parcela de solo criado" teria natureza jurídica de imposto.
2 - DA PARCELA DE SOLO CRIADO
O solo criado tem previsão na Lei 10257/01. Nada mais é do que um dos instrumentos de Política Urbana, qual seja, a outorga onerosa do direito de construir, prevista no artigo 4°, V, "n" e artigo 28 do Estatuto da Cidade: Art. 4o Para os fins desta Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos: V - institutos jurídicos e políticos: n) outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso; Art. 28. O plano diretor poderá fixar áreas nas quais o direito de construir poderá ser exercido acima do coeficiente de aproveitamento básico adotado, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário. A Lei 3.338/89 do município de Florianópolis instituiu a parcela de solo criado: Art. 9º - Considera-se adequada a infra-estrutura urbana e comunitária existente à data desta Lei, ou prevista pela Lei do parcelamento do solo, somente até o índice de aproveitamento igual ou inferior a 1 (um). § 1º - As edificações utilizando Índice de Aproveitamento superior a 1 (um), serão autorizadas mediante remuneração ao Município, incidente sobre área excedente construída, calculada sobre o CUB médio - índice divulgado mensalmente pelo Sinduscon - Sindicato da Construção Civil de Florianópolis ou índice sucedâneo nas seguintes proporcionalidades (...) Portanto, não se trata de tributo, pois não é uma obrigação compulsória, e sim uma remuneração paga pelo exercício de uma faculdade; é portanto, um ônus, conforme já foi decidido no RE 387047/SC, cuja ementa segue:
"EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. LEI N. 3.338/89 DO MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS/SC. SOLO CRIADO. NÃO CONFIGURAÇÃO COMO TRIBUTO. OUTORGA ONEROSA DO DIREITO DE CRIAR SOLO. DISTINÇÃO ENTRE ÔNUS, DEVER E OBRIGAÇÃO. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. ARTIGOS 182 E 170, III DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. SOLO CRIADO Solo criado é o solo artificialmente criado pelo homem [sobre ou sob o solo natural], resultado da construção praticada em volume superior ao permitido nos limites de um coeficiente único de aproveitamento. 2. OUTORGA ONEROSA DO DIREITO DE CRIAR SOLO. PRESTAÇÃO DE DAR CUJA SATISFAÇÃO AFASTA OBSTÁCULO AO EXERCÍCIO, POR QUEM A PRESTA, DE DETERMINADA FACULDADE. ATO NECESSÁRIO. ÔNUS. Não há, na hipótese, obrigação. Não se trata de tributo. Não se trata de imposto. Faculdade atribuível ao proprietário de imóvel, mercê da qual se lhe permite o exercício do direito de construir acima do coeficiente único de aproveitamento adotado em determinada área, desde que satisfeita prestação de dar que consubstancia ônus. Onde não há obrigação não pode haver tributo. Distinção entre ônus, dever e obrigação e entre ato devido e ato necessário. 3. ÔNUS DO PROPRIETÁRIO DE IMÓVEL URBANO. Instrumento próprio à política de desenvolvimento urbano, cuja execução incumbe ao Poder Público municipal, nos termos do disposto no artigo 182 da Constituição do Brasil. Instrumento voltado à correção de distorções que o crescimento urbano desordenado acarreta, à promoção do pleno desenvolvimento das funções da cidade e a dar concreção ao princípio da função social da propriedade [art. 170, III da CB]. 4. Recurso extraordinário conhecido, mas não provido."
3 - DA COMPETÊNCIA
Vencido, o Ministro Marco Aurélio entendeu que, por envolver análise de inconstitucionalidade de uma lei, a questão deveria ser submetida ao Plenário do STF, conforme artigo 97 da Constituição Federal: Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público. No entanto, a primeira Turma do Supremo Tribunal Federal deu-se por competente para apreciar a questão, sob o fundamento de que a questão abrange apenas a discussão sobre a natureza tributária da "parcela de solo criado".
4 - DO MÉRITO
Brilhantemente, o Ministro Marco Aurélio, em seu voto (infelizmente vencido), declarou a inconstitucionalidade da lei municipal. Fundamenta sua decisão no fato de que a "parcela de solo criado" é uma forma de pagamento ao Município que coloca em segundo plano as posturas municipais. A construção vertical acima dos limites pode colocar em risco a segurança da população, causar danos estéticos à cidade, etc. Não se pode permitir que interesses econômicos imponham à cidade e aos cidadãos gravames como estes. Outrossim, há patente violação da isonomia, pois os mais ricos podem construir acima do limite fixado pela lei, enquanto que somente os mais pobres devem observá-lo. No entanto, a Primeira Turma do STF desproveu o recurso extraordinário, considerando que a "parcela de solo criado" não viola o direito de propriedade, e não consiste qualquer parcela tributária, pois se trata de mera compensação financeira em razão do ônus que o proprietário da edificação causou . Fonte: Portal LFG |
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