Pular para o conteúdo principal

Coisa julgada material em jurisdição voluntária. O exemplo do pedido de homologação de separação/divórcio/partilha consensual. Lei Federal n. 11.441/2007*


Em meu Curso, v. 1, defendi a natureza jurisdicional da jurisdição voluntária e a conseqüente possibilidade de a coisa julgada material recair sobre suas decisões.

A Lei Federal n. 11.441/2007 reforçou esse posicionamento com um novo argumento.

A homologação de separação/divórcio/arrolamento (inventário simplificado) consensual é procedimento de jurisdição voluntária. Esses negócios jurídicos podem ser formalizados extrajudicialmente, após a Lei Federal 11.441/2007, sem mais a necessidade de intervenção judicial, desde que não haja interesse de incapaz. Houve quem dissesse que, em razão disso, não haveria mais interesse de agir no ajuizamento do procedimento de jurisdição voluntária, exatamente porque, não sendo atividade jurisdicional, e sim administrativa, e não advindo daí a coisa julgada material, tudo o quanto se poderia obter em juízo seria possível obter extrajudicial, tornando o processo desnecessário (1). O Conselho Nacional de Justiça, porém, decidiu que a via extrajudicial é opcional, permanecendo a homologação judicial como alternativa lícita (2). Qual a razão disso? A homologação judicial confere às partes algo além daquilo que se pode obter pelo procedimento cartorário: a indiscutibilidade da decisão, a coisa julgada. O negócio jurídico é "processualizado" (inserido no processo) e, após a homologação judicial, somente pode ser desconstituído por ação rescisória (art. 485, VIII, CPC), como reflexo da rescisão da sentença homologatória. Não é razoável dizer que um negócio jurídico formalizado em cartório tem a mesma estabilidade de outro que passou pelo crivo do órgão jurisdicional. É preciso dar a situações tão díspares conseqüências jurídicas também diversas. Para compreender a "facultatividade" do procedimento cartorário e a conseqüente permanência da opção judicial, é preciso superar o dogma da ausência de coisa julgada na jurisdição voluntária.

(1). É o entendimento, por exemplo, de FARIAS, Cristiano Chaves. O novo procedimento da separação e do divórcio (de acordo com a Lei n. 11.441/07)". Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 60 e segs; FRANCO, André, CATALAN, Marcos. "Separação e divórcio na esfera extrajudicial – faculdade ou dever das partes?". Separação, divórcio, Partilhas e inventários extrajudiciais – questionamentos sobre a Lei 11.441/2007. Antônio Carlos Mathias Coltro e Mário Luiz Delgado (coord.). São Paulo: Método, 2007, p. 46-48.

(2). Art. 2º da Resolução n. 35, de 24 de abril de 2007: "Art. 2° É facultada aos interessados a opção pela via judicial ou extrajudicial; podendo ser solicitada, a qualquer momento, a suspensão, pelo prazo de 30 dias, ou a desistência da via judicial, para promoção da via extrajudicial". Também neste sentido, CASSETARI, Cristiano. Separação, divórcio e inventário por escritura pública. São Paulo: Método, 2007, p. 24-25; MORAIS, Ezequiel. "O procedimento extrajudicial previsto na Lei 11.441/2007, para as hipóteses de que trata, é obrigatório ou facultativo? Poderão ou deverão?". Separação, divórcio, Partilhas e inventários extrajudiciais – questionamentos sobre a Lei 11.441/2007. Antônio Carlos Mathias Coltro e Mário Luiz Delgado (coord.). São Paulo: Método, 2007, p. 33-34.

*Fredie Didier Jr.

Em 10 de agosto de 2007.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Não comprovada fraude, deve ser respeitada a meação do cônjuge

Não comprovada a ocorrência de fraude, deve ser respeitada a meação prevista na sentença homologatória da dissolução da sociedade conjugal. Assim decidiu a 1ª Câmara do TRT da 15ª ao negar provimento a Agravo de Petição, tentando modificar sentença da Vara do Trabalho de Lorena, no Vale do Paraíba. O agravante é o espólio do cônjuge varão. A primeira instância havia julgado procedente em parte Embargos de Terceiro, liberando a penhora, correspondente a favor da agravada. O agravante insistia na penhora total do crédito, relativo à venda do imóvel. Segundo ele, não deveria prevalecer a meação da separação conjugal, objeto de acordo judicial, em face da invalidade dos documentos oferecidos como prova, pois não estariam revestidos das formalidades legais. Alegava, ainda, que a dívida trabalhista inseria-se na cláusula do acordo para dissolução da sociedade conjugal que recai sobre o imóvel, a ser suportado pelo cônjuge varão, tendo a agravada se beneficiado dos serviços prestados pelo Agr...

“Cartórios” no Brasil: função pública ou feudo? Quase 130 anos depois, a mesma discussão[1]

O princípio do concurso público e um breve histórico das atividades notariais e de registros no Brasil A história do notariado e dos registros públicos é tão densa quanto antiga. Essas atividades se originaram com a finalidade de atender a necessidades sociais de imprimir segurança e estabilidade nas relações interpessoais, jurídicas ou não, permitindo, assim, a perpetuação no tempo de negócios privados e, consequentemente, preservando os direitos daí derivados. Como observa Aliende , “é o escriba, encontrado na civilização egípcia e no povo hebreu, o antepassado do notário [2] ”. O desenvolvimento dessas atividades nos países que adotam órgãos de fé pública ao redor do mundo está caracterizado pelo exercício privado de funções públicas . Assim ocorre, em maior ou menor escala, na Itália, na França, na Espanha, na Alemanha e em Portugal. O mesmo se dá no Brasil, em que, salvo fracassadas experiências em contrário, como as trágicas (e já superadas) estatizações de cartórios feitas n...

Testamento público: publicidade equivocada

Por LUCAS DE ARRUDA SERRA O Testamento Público lavrado por Tabelião de Notas a primeira vista parece que por ser “Público” pode qualquer pessoa ter acesso ao mesmo. É público afinal?! Na verdade o Testamento Público é chamado de público por ser lavrado por Oficial público em seu livro Notas, e não que esteja à disposição de toda e qualquer pessoa que queira ter acesso as disposições de última vontade do testador. Maria Helena Diniz, ensina: “Não deve, pois, só porque chamado de `público´, ficar aberto, permitindo-se o seu acesso a qualquer pessoa” (Curso de Direito Civil Brasileiro, 6. Direito das Sucessões, 21ª edição-2007, pag. 203). O testamento é feito para ter efeito após a morte do testador e o seu prévio conhecimento pode causar alguns transtornos àquele que testou, não sendo prudente permitir que qualquer pessoa possa solicitar certidão e obtê-la, sem, no entanto, comprovar o óbito daquele que testou. O acesso enquanto vivo o testador pode ser permitido a ele mesmo ou a qualque...