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Cessão de posse e ausência de domínio anterior

 
Outro dia discuti com alguns colegas o problema de de eventual quebra da cadeia dominial (ofensa ao princípio da continuidade) em sede ação de declaração de usucapião.
 
E  terra fosse de titularidade pública? Tal veda a possibilidade de ser declarada a usucapião.
 
Também preocupante é a lavratura de cessão de direitos de posse. As provas da posse não podem ser débeis, frágeis demais.
 
Contudo, esta jurisprudência do TJMG, citando diversos outros julgados aclara a questão.
 
Confira-se:
 
 
JURISPRUDÊNCIA

Ação Discriminatória
TJMG - Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Número do processo: 1.0710.01.000086-1/001(1)
Relator: NEPOMUCENO SILVA
Relator do Acordão: NEPOMUCENO SILVA
Data do acordão: 26/10/2006
Data da publicação: 14/11/2006
Inteiro Teor:
EMENTA: DIREITO PROCESSUAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DISCRIMINATÓRIA. TERRAS DEVOLUTAS. ÔNUS DA PROVA DO ESTADO. AUSÊNCIA. SENTENÇA QUE SE CONFIRMA. "Em ação discriminatória, ao Estado cumpre provar a afirmação de que as terras são devolutas, uma vez que a falta de transcrição do imóvel no registro não gera presunção "juris tantum" de que toda área que não seja particular é pública. No reexame necessário, confirma-se a sentença, prejudicado o recurso voluntário"(Apelação Cível nº 1.0000.00.242234-3/001, Rel. Des. Almeida Melo. j. 23.05.2002).

APELAÇÃO CÍVEL / REEXAME NECESSÁRIO N° 1.0710.01.000086-1/001 - COMARCA DE VAZANTE - REMETENTE: JD COMARCA VAZANTE - APELANTE(S): ESTADO MINAS GERAIS - APELADO(A)(S): HÉLIO BERNARDES DIAS - RELATOR: EXMO. SR. DES. NEPOMUCENO SILVA

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 5ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM NÃO CONHECER DA PRELIMINAR E CONFIRMAR A SENTENÇA, NO REEXAME NECESSÁRIO, PREJUDICADO O RECURSO VOLUNTÁRIO.

Belo Horizonte, 26 de outubro de 2006.

DES. NEPOMUCENO SILVA - Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. NEPOMUCENO SILVA:

VOTO

Trata-se de reexame necessário e de Apelação, esta interposta pelo Estado de Minas Gerais, ambos em face da sentença (fl. 410/435), via da qual o il. Juiz de Direito na Comarca de Vazante, por entender que "o Estado autor não logrou êxito em comprovar que as terras ocupadas pelos requeridos são devolutas" (f. 435), julgou improcedentes os pedidos na ação discriminatória de terras devolutas, ali proposta contra Hélio Bernardes Dias e sua esposa.

Para o Estado apelante, entretanto, a sentença é nula, pois o Juízo monocrático teria julgado em desacordo com as provas dos autos. No mérito, diz que os apelados não provaram o "momento solene em que a área discriminada teria passado, do patrimônio público para o particular por título legítimo". Aduz que os documentos vindos com a inicial, além de constituírem prova indiscutível da devolutividade da área discriminada, gozam da presunção de legitimidade e veracidade, que ornam os documentos públicos, não elidida pelos apelados. E, também, que os registros paroquiais, alegados pelos apelados, não constituem prova de domínio, havendo, destarte, quebra ao princípio da continuidade. Sucessivamente, requer a redução dos honorários advocatícios.

Houve contra-razões, em óbvia infirmação (fl. 472/480).

Ausente interesse ministerial.

Presentes os requisitos de sua admissibilidade, conheço da espécie, por ambos os motivos da subida.

Inicialmente, digo que a alegada nulidade da sentença, tal como formulada, se confunde com o mérito, onde será expungida.

Não conheço, pois, da alegação, como preliminar .

No mérito, vejo que o cerne da apelação está em aferir a quem compete o ônus da prova, em casos que tais: se ao Estado autor, (aqui apelante), conforme decidiu o il. Juiz, ou, ao contrário, se aos apelados, contra quem a ação foi proposta.

Conforme relatado, trata-se de ação discriminatória de terra devoluta, proposta pelo Estado, alegando que a área descrita na inicial, denominada Fazenda Varedas, também conhecida por Bagres ou Gameleira, no Distrito de Guarda Mor, originou-se de várias cessões e transferências de posses de terras devolutas, todas negociadas entre particulares (posseiros), sem a participação do ente público, não se encontrando documento que prove o domínio, razão porque requer sejam declarados nulos e desconstituídos os títulos e transcrições referentes à gleba em questão.

Cuido de registrar que inexiste, em nosso ordenamento jurídico, qualquer presunção, relativa ou absoluta, de que toda terra não particular é pública. Para a procedência do pedido discriminatório é necessária prova inequívoca e contundente de que a área objeto da ação é efetivamente devoluta. Assim, cabe ao autor da demanda, na forma do art. 333, I, do Código de Processo Civil, a prova do pressuposto. Ou, como asseverou o Des. Batista Franco, na Apelação Cível n. 1.0778.03.002494-8.001, "não é mais possível ser aceito que o Estado não se coloque numa ação exibindo seus direitos e fazendo prova dos mesmos, querendo, ao contrário, que o cidadão é que prove que o Estado não tem os tais direitos alardeados por ele prepotentemente, como é o caso dos autos" (j. em 02.08.2005).

Diversamente do que pensa o Estado/apelante, o fato de a Lei 601/1850 (art. 3º) estabelecer o conceito de terras devolutas utilizando-se de exclusão, não autoriza a conclusão de que o ônus da prova, em casos que tais, competiria ao particular.

Neste sentido, temos decidido neste Sodalício, inclusive, com endosso do STF, verbis:

a) "USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO - ALEGAÇÃO DE SER O IMÓVEL FORMADO POR TERRAS DEVOLUTAS - AUSÊNCIA DE PROVA - O simples fato de o imóvel não possuir registro não gera a presunção de que se trata de terra pública - Os tribunais têm, reiteradamente, afastado a presunção juris tantum' de devolutividade das terras, pois cabe ao Estado o ônus de fazer prova do que alega - Provada a posse vintenária, mansa e pacífica, com ¿animus domini', e presentes na petição inicial os limites e confrontações, bem como o memorial descritivo e o mapa, tornando precisa a área usucapienda, é de declarar- se o domínio pelo usucapião." (Apelação Cível nº 268486- 8/00, Rel. Des. Wander Marotta, j. em 21/10/2002).

b) "AÇÃO DE USUCAPIÃO - ÁREA NÃO TRANSCRITA EM REGISTRO DE IMÓVEIS - PRESUNÇÃO DE SE TRATAR DE TERRA DEVOLUTA - AUSÊNCIA - ÔNUS DA PROVA QUE INCUMBE AO ESTADO DE MINAS GERAIS - USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO - REQUISITOS - PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. - O fato de a área usucapienda não se encontrar transcrita no Registro de Imóveis não autoriza o entendimento esposado pelo Estado de Minas Gerais, no sentido de que há presunção de que as terras são devolutas e que, portanto, pertencem ao domínio público. - No usucapião extraordinário, havendo prova da posse pacífica e ininterrupta da autora sobre a área usucapienda há mais de 20 anos, exercida com ¿animus domini' e com boa-fé, o pedido deve ser julgado procedente, em obediência ao artigo 550 do Código Civil. - Recurso desprovido." (Apelação Cível nº 296972-3/00, Rel. Des. Eduardo Andrade, j. em 10/12/2002).

c) AÇÃO DISCRIMINATÓRIA - TERRAS DEVOLUTAS - ÔNUS DA PROVA - ESTADO - INEXISTÊNCIA DE PROVAS SEGURAS ACERCA DA DEVOLUTIVIDADE DA GLEBA - QUEBRA DA CADEIA DOMINIAL - OMISSÃO DO REGISTRO IMOBILIÁRIO QUE NÃO GERA PRESUNÇÃO DE QUE SEJAM DEVOLUTAS AS TERRAS - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - FIXAÇÃO ADEQUADA - ART. 20, § 4º, CPC. - CONFIRMAÇÃO DA DECISÃO DE PRIMEIRA INSTÂNCIA - RECURSO VOLUNTÁRIO PREJUDICADO. - Em se tratando de ação discriminatória de terras devolutas, cabe ao ente público o ônus de provar que a terra que pretende discriminar lhe pertence. - A condição de terra devoluta não decorre simplesmente da omissão no registro imobiliário em relação a transcrições anteriores do imóvel. (Ap. Cível n. 1.0710.02.002185-7/001, Rel. Des. Armando Freire, j. em 11/07/2006).

d) "AÇÃO DISCRIMINATÓRIA. TERRAS DEVOLUTAS. ÔNUS DA PROVA. ESTADO. Em ação discriminatória, ao Estado cumpre provar a afirmação de que as terras são devolutas, uma vez que a falta de transcrição do imóvel no registro não gera presunção "juris tantum" de que toda área que não seja particular é pública. No reexame necessário, confirma-se a sentença, prejudicado o recurso voluntário."(Apelação Cível nº 1.0000.00.242234-3/001, Rel. Des. Almeida Melo. j. 23.05.2002).

e) Usucapião. Alegação de Estado Membro de que cabe ao usucapiente o ônus da prova de que a gleba em causa não e terra devoluta, não bastando, para comprová-lo, o depoimento de testemunhas e a existência de indícios. Inexiste em favor do Estado a presunção iuris tantum que ele pretende extrair do art. 3 da lei 601, de 18 de setembro de 1850. Esse texto legal definiu, por exclusão, as terras públicas que deveriam ser consideradas devolutas, o que é diferente de declarar que toda gleba que não seja particular é pública, havendo presunção iuris tantum de que as terras são públicas. Cabia, pois, ao Estado o ônus da prova de que, no caso, se tratava de terreno devoluto. Recurso extraordinário não conhecido. (RE 86234/MG, Rel. Min. Moreira Alves, j. em 12.11.1976, in , acesso em 17.08.2006. Grifo do relator).

Some-se, ao que se disse, a observação, feita pelo Juízo monocrático, de que a Lei 601/1850, conhecida como Lei de Terras, previu formas outras de conferir legalidade a uma ocupação, que não o mero registro. Ademais, o Direito anterior ao Código Civil de 1916 reconhecia força traslativa ao contrato, admitindo que os imóveis se transmitissem "solo consensu" (cf. Caio Mário da Silva Pereira, in Instituições de Direito Civil, vol. IV, 12 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 90).

Assim, não provando o Estado que as terras ocupadas pelos apelados são públicas, é de rigor a improcedência de seu pedido, conforme bem decidido monocraticamente.

Com tais argumentos e fundamentos, em reexame necessário, confirmo a sentença monocrática, ficando, em conseqüência, prejudicada a apelação.

Custas recursais, ex lege.

É como voto.

Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): CLÁUDIO COSTA e MARIA ELZA.

SÚMULA : NÃO CONHECERAM DA PRELIMINAR E CONFIRMARAM A SENTENÇA, NO REEXAME NECESSÁRIO, PREJUDICADO O RECURSO VOLUNTÁRIO.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

APELAÇÃO CÍVEL / REEXAME NECESSÁRIO Nº 1.0710.01.000086-1/001


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