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Correio Braziliense: 13.04.2008

"Reforma agrária" nos cartórios

Pesquisa realizada pelo CNJ revela concentração de faturamento no eixo Rio-São Paulo

Lúcio Vaz
Da equipe do Correio
Levantamento inédito feito pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre os cartórios no Brasil revela uma realidade desigual. Os números mostram que cerca da metade deles tem renda mensal até R$ 5 mil, enquanto outros 1.330 têm rendimentos acima de R$ 50 mil por mês. Os 100 maiores cartórios têm faturamento mensal entre R$ 500 mil e R$ 2 milhões. Juntas, as 10,7 mil serventias extrajudiciais que já prestaram informações arrecadaram R$ 3,8 bilhões em 2006. Esse valor é próximo da soma dos orçamentos dos tribunais superiores. O estudo deverá resultar numa redivisão dos cartórios que arrecadam mais, numa espécie de "reforma agrária" do setor.

Os maiores "latifúndios" ficam no Rio de Janeiro e em São Paulo. São geralmente cartórios de registro de imóveis. O maior deles, com cerca de 150 funcionários, localizado no Rio, faturou R$ 28,3 milhões em 2006, o equivalente a uma mega-sena acumulada. A renda mensal foi de R$ 2,36 milhões. A segunda maior arrecadação ficou com um cartório de São Paulo: R$ 26,9 milhões naquele ano. O estado conta com sete dos 10 maiores cartórios do país, com renda anual a partir de R$ 13,1 milhões. Juntos eles faturaram R$ 140 milhões em 2006. Fora do eixo Rio-São Paulo, aparece uma serventia do Paraná com rendimento de R$ 17,9 milhões (sétimo lugar), e outra de Goiás com R$ 12,8 milhões (11º lugar).

Na outra ponta da pirâmide estão 1.446 cartórios que faturam até R$ 6 mil por ano. São míseros R$ 500 por mês. Outras 792 serventias têm renda anual entre R$ 6 mil e R$ 12 mil. Esses cartórios estão localizados principalmente nos municípios mais remotos, nas regiões Norte e Nordeste. O número deles pode ser ainda maior, porque o levantamento feito pelo CNJ ainda não está concluído. Das 13.405 serventias cadastradas, 10.712 já haviam prestado todas as informações solicitadas até a última sexta-feira. As 2.693 que ainda não forneceram seus dados estão localizadas justamente nos grotões do país.

Realidade desconhecida
Os números apurados pela pesquisa surpreenderam o corregedor-geral do CNJ, ministro Cesar Asfor Rocha, vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça. "O levantamento mostra uma realidade que ninguém conhecia", comentou. Ele ficou impressionado com a polpuda arrecadação de um número significativo de cartórios. "Dá para sustentar todas as cortes superiores", comparou. Segundo o corregedor, esses dados explicam por que juízes, desembargadores aposentados, têm assumido algumas serventias. Ele esclarece, porém, que o levantamento registra o faturamento, não o lucro do cartório. Para se chegar a isso, é preciso considerar despesas com funcionários, instalações, informática, luz, água e impostos.

Com uma linguagem cuidadosa, Asfor avisa: "A corregedoria vai propor ao CNJ uma realinhamento no setor". Isso significa a partilha dos cartórios mais rentáveis. Ele também antecipa outras providências que resultarão do conhecimento das informações obtidas. "A partir desses dados, vamos estudar a formação de um fundo para o reaparelhamento do Poder Judiciário. Esses fundos existem em alguns estados, mas de forma desigual. Cada estado faz o seu. Agora, o CNJ vai traçar diretrizes para a organização desse fundo", explicou.

Outra preocupação do ministro é com a manutenção das serventias menos rentáveis. "Há, ainda, a possibilidade de haver um fundo para a sustentabilidade de serventias que não podem se manter. Elas são importantes porque fazem o registro civil de pessoa natural (RCPN). Hoje, cerca de 500 mil pessoas não são registradas no país. Uma das metas do CNJ é erradicar o subregistro", acrescentou. Com a formação desse fundo, parte da arrecadação total de cada estado será destinada para a manutenção dos cartórios menores. Isso já existe em São Paulo, onde 5% da receita bruta do setor é utilizada para assegurar uma renda mensal de pelo menos 10 salários mínimos para as pequenas serventias, como prevê a Lei nº 11.331/2002.

A coleta de dados começou em junho do ano passado, com uma equipe de apenas quatro pessoas, quando Asfor assumiu a Corregedoria do CNJ. "Eu perguntei: 'Quantos cartórios tem no Brasil?' Ninguém sabia. Mandei fazer o levantamento". Hoje, a corregedoria sabe até mesmo o número total de funcionários das serventias: 50.452, sendo 6.841 em cartórios privados. Até 1988, o governo nomeava os tabeliães dos cartórios, que depois eram passados de pai para filho. Com a nova Constituição, foi criada a exigência de concurso público para tabeliães. Mas 3.871 cartórios continuam públicos. Asfor vê um ponto positivo na mudança: "Com a privatização de 88, o serviço foi profissionalizado". A informatização dos serviços avançou muito nos últimos anos.

O levantamento mostra uma realidade que ninguém conhecia

Cesar Asfor Rocha, corregedor-geral do CNJ


Números da desigualdade

Um exemplo claro das desigualdades e da concentração de renda no setor, que não foge às características próprias da sociedade brasileira, está na comparação de duas faixas de renda extremas. Na categoria com arrecadação de R$ 12 mil a R$ 60 mil por ano, que corresponde a 3.027 cartórios (28% do total), a receita total ficou em R$ 96,6 milhões (2,5% do total). Situação bem diferente aconteceu na categoria de R$ 12 milhões a R$ 30 milhões, com apenas 13 serventias (0,1% do total). A receita superou os R$ 242 milhões (6,3% do total).

Na distribuição por estados, São Paulo fica bem à frente, com arrecadação de R$ 1,6 bilhão nos 1.536 cartórios que já prestaram informações. Trinta e cinco ainda não entregaram seus dados. O número de funcionários chega a 15.476. O Rio vem logo a seguir, com faturamento de R$ 533 milhões em 526 serventias. Juntos, os dois maiores estados respondem por 55% da receita do setor. Com um número bem maior de cartórios (2.703), Minas fica em terceiro lugar na arrecadação, com R$ 421 milhões. No lado aposto estão o Amapá, com faturamento anual de R$ 857 mil em 19 serventias, e Roraima, com renda de R$ 968 mil em apenas sete cartórios. (LV)


burocracia
CNJ quer evitar aprovação de trem da alegria

Conselho trabalhará contra proposta de efetivar familiares de donos de cartórios que têm assumido o comando das serventias sem concurso público. Número de beneficiados pode chegar a mil

Lúcio Vaz
Da equipe do Correio

Célio Azevedo/
Agência Senado - 9/5/07
Corrregedor-geral do CNJ não quer nem discutir projeto que está no Congresso
 

O levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre os cartórios do país vai possibilitar a identificação de quantos e quais donos de serventias serão beneficiados pela proposta de emenda constitucional que efetiva, sem concurso público, quem foi designado provisoriamente para o cargo até 1994. Pronta para ser votada pelo plenário da Câmara, a PEC 471/2005 é criticada duramente pelo corregedor-geral do CNJ, Cesar Asfor Rocha, vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ). "Sou contra. A partir da Constituição de 1988, o ingresso é por concurso, e acabou", afirmou Asfor, sem admitir qualquer abertura para um debate sobre o tema.

Inicialmente, a Associação dos Notórios e Registradores do Brasil (Anoreg) calculava em cerca de mil donos de cartórios os possíveis beneficiados pela PEC. Eles foram designados para o cargo pela Justiça em consequência da aposentadoria ou morte do titular. Mas a proposta original do deputado João Campos (PSDB-GO) previa a efetivação de quem estava no cargo nos últimos cinco anos. No final do ano passado, para garantir a aprovação da PEC, os defensores do "trem da alegria" aceitaram fixar o prazo máximo em novembro 1994, data da lei que regulamentou a norma constitucional e remeteu às legislações estaduais a regulamentação dos concursos para ocupação desses cargos (Lei 8.935/94). Com isso, ficou reduzido o número de possíveis beneficiários da proposta de emenda constitucional.

Até junho do ano passado, porém, não existia um banco de dados seguro sobre a atividade notarial no país. Não se sabia nem mesmo o número de cartórios existentes, quanto mais quem seria beneficiado pela PEC 471. Alguns tribunais de Justiça, que fiscalizam a atividade, apontam o número de designados provisoriamente no seu estado, mas não sabem informar há quanto tempo os mesmos estão no cargo. A partir desta semana, o CNJ fará um cruzamento de dados que vai permitir levantar a lista dos prováveis passageiros do "trem da alegria" dos cartórios.

"Mina de ouro"
No Rio de Janeiro, a Corregedoria-Geral de Justiça descobriu que 14 donos de cartórios ganharam sua outorga sem prestar concurso público após a promulgação da Lei 8.935, de 18 de novembro de 1994. Entre eles o ex-presidente do Conselho Estadual de Entorpecentes Murilo de Souza Asfora, titular do 11º Ofício de Justiça da Comarca de Petrópolis; a socialite Therezinha de Aquino Costa dos Santos, do Ofício Único de Rio das Ostras; e o empresário Roberto Vieira Ribeiro, do 17º Ofício de Justiça da Comarca de Niterói.

O corregedor-geral da Justiça do estado, desembargador Luiz Zveiter, diz que estão sendo investigados casos de pequenos latifúndios cartoriais. Marido e mulher ganham outorgas de diferentes cartórios, em diferentes cidades, e o negócio fica em família. "É uma mina de ouro", compara Zveiter.

O presidente da Anoreg/BR, Rogério Bacelar, afirma que a entidade sempre foi favorável aos concursos públicos, mas também defende que "cada caso é um caso". Ele argumenta que existem situações de pessoas que têm 20, 30 anos de designação, porque o poder público não realizou concursos para o preenchimento desses postos. Assim, entende que essas pessoas não podem ser simplesmente "jogadas na rua".

O juiz auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça, Murilo Kieling, que integrou a equipe responsável pelo levantamento dos dados dos cartórios, afirma que a PEC 471 "caminha na contra-mão da história e vulnera princípios fundamentais da Constituição". "Falo na contramão com relação àquele processo histórico hereditário de transmissão de verdadeiros feudos. E fere princípios fundamentais como os da impessoalidade, moralidade e legalidade, previstos no artigo 37".

Herdeiros
Márcia Lenz Alcântara herdou o Cartório de Registro de Imóveis de Silvânia (GO), distante cerca de 100 quilômetros de Goiânia. O cartório pertenceu ao seu pai, Ivo Lenz, de 1952 a 1994. Ela começou a trabalhar no estabelecimento como escrevente em 1977. Assumiu a titularidade em 1995, com a aposentadoria do pai. O título foi concedido pelo pleno do Tribunal de Justiça de Goiás. Márcia lembra que a regulamentação do ingresso na atividade cartorial foi aprovada em 1994, mas não ficaram definidas as regras para os concursos. Assim, o tribunal designava os responsáveis provisoriamente. "E como fica a situação dessas pessoas que estão aí há 20 anos?", pergunta a dona do cartório. Pela proposta original do deputado João Campos, ela seria efetivada no cargo. Com a alteração feita na comissão especial, ela ficará fora do "trem da alegria" e perderá a renda mensal entre R$ 10 mil e R$ 15 mil.

A responsável pelo 2º Tabelionato de Notas e Anexos de Orizona, Lúcia Maria Porto Tavares, de 53 anos, era substituta do pai, Elvino Porto, que foi titular do cartório de 1950 a 1993. Com o cartório instalado no prédio do fórum da cidade, a sua renda mensal varia entre R$ 5 mil e R$ 8 mil. Como foi nomeada pela Justiça em 1993, acabará sendo efetivada pela PEC 471, se a proposta for aprovada pelos plenários da Câmara e do Senado.


Colaborou Ricardo Miranda


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