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Adoção de sobrenome do cônjuge. Problemas*


* do editor desta Casa

Respondamos à indagação seguinte: após a celebração do casamento ou no curso da união estável, é possível a qualquer das partes adotar o sobrenome do outro, que não fora adotado anteriormente? Em caso positivo, como proceder?

Nome como direito da personalidade. Para CRISTIANO CHAVES DE FARIAS[1], seguramente, o direito ao uso do nome de casado é verdadeiro direito da personalidade, estando agregado à identidade de cada cônjuge, representando seus aspectos intrínsecos.

“Nas palavras firmes de SILMARA JUNY DE ABREU CHINELATO E ALMEIDA, em opúsculo dedicado ao tema, se o cônjuge adota o nome patronímico do outro, ‘o nome adotado com o casamento passa a ser o nome de família e o seu próprio nome, integrando seu direito à personalidade’.

O nome, direito individual à pessoa, integra a personalidade, é fator de identificação e individualização.”[2] (Grifamos.)

O Código Civil de 2002 avançou na matéria. A regra é a conservação do nome, em caso de dissolução do vínculo conjugal (pelo divórcio ou pela conversão da separação em divórcio). O art. 1.578 estipula que o cônjuge declarado culpado na ação de separação judicial só perde o direito de usar o sobrenome do outro se tal for expressamente requerido pelo cônjuge inocente e se a alteração não acarretar evidente prejuízo para a sua identificação, manifesta distinção entre o seu nome de família e o dos filhos havidos da união dissolvida ou dano grave reconhecido na decisão judicial.

Faculdade dos nubentes. O Novo Código Civil prevê, no § 1º do art. 1.565, que qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro.

É clara a dicção do Código. Os nubentes, ou seja, aqueles que estão prestes a contrair matrimônio, poderão, querendo, acrescer ao seu o sobrenome do outro.

Assento do casamento. Nada obstante problemas de ordem prática que o uso da faculdade expressa no mencionado dispositivo possa vir a ocasionar, o certo é que, da leitura do Código, a uma primeira interpretação, somente durante o ato de celebração do casamento, que se perfectibiliza com a lavratura do assento, poderia o cônjuge adotar o sobrenome do outro, vale dizer, “acrescer ao seu o sobrenome do outro”.

Teotônio Negrão[3] anota, em referência ao inciso I do art. 1.536 que o assento deverá consignar também o sobrenome que os nubentes adotaram após casamento.

Por sua vez, o art. 70 da LRP, inciso 8º, dispõe que após a celebração do casamento, será lavrado assento, assinado pelo presidente do ato, os cônjuges, as testemunhas e o oficial, sendo exarado o nome que passa a ter a mulher, em virtude do casamento. Na verdade, por força do art. 5º, I, da Constituição Federal, bem como no disposto no art. 1.565, §1º, do Código Civil, também deverá constar o nome que passa a ter o marido.

Vejamos com maior acuro as disposições do Código Civil e da LRP atinentes à exigência.

Art. 1.536. Do casamento, logo depois de celebrado, lavrar-se-á o assento no livro de registro. No assento, assinado pelo presidente do ato, pelos cônjuges, as testemunhas, e o oficial do registro, serão exarados: I - os prenomes, sobrenomes, datas de nascimento, profissão, domicílio e residência atual dos cônjuges; II - os prenomes, sobrenomes, datas de nascimento ou de morte, domicílio e residência atual dos pais; III - o prenome e sobrenome do cônjuge precedente e a data da dissolução do casamento anterior; IV - a data da publicação dos proclamas e da celebração do casamento; V - a relação dos documentos apresentados ao oficial do registro; VI - o prenome, sobrenome, profissão, domicílio e residência atual das testemunhas; VII - o regime do casamento, com a declaração da data e do cartório em cujas notas foi lavrada a escritura antenupcial, quando o regime não for o da comunhão parcial, ou o obrigatoriamente estabelecido.

Art. 70. Do matrimônio, logo depois de celebrado, será lavrado assento, assinado pelo presidente do ato, os cônjuges, as testemunhas e o oficial, sendo exarados: (...) (8º) o nome, que passa a ter a mulher, em virtude do casamento;


Conclui-se, do confronto da lei especial com a codificação civilista, que remanesce a exigência de ser levado ao assento o nome que passa a ter a mulher ou o marido em virtude do casamento.

Nada obstante a regra ser clara, há exceções. Um bom exemplo ocorre quando se declarou, na celebração do casamento, o nome que passaria a adotar a mulher ou o marido, mas não houve o competente registro no assento. Neste caso, poderá o interessado valer-se de ação judicial para retificação do nome, com a modificação ou acréscimo do patronímico do outro, não adotado anteriormente.

União estável. A união estável entre o homem e a mulher foi reconhecida constitucionalmente como entidade familiar (art. 226, § 3º). À ela, salvo contrato escrito (escritura pública ou instrumento particular) entre os companheiros, aplicam-se as relações patrimoniais, no que couber, do regime da comunhão parcial de bens.

É possível, de fato, a qualquer das partes adotar o sobrenome do outro, que não fora adotado anteriormente (leia-se, antes do início da convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família). Outra leitura não é possível fazer do tema – bem como de outra maneira não há que se interpretar o indagado na questão introdutória.

LRP e união estável (concubinato). O direito ao nome do companheiro, antes da vigência do Código Civil de 2002, já tinha previsão no art. 57,§ 2º, da Lei 6.015/73 (LRP - Lei dos Registros Públicos), nestes termos:

“A mulher solteira, desquitada ou viúva, que viva com homem solteiro, desquitado ou viúvo, excepcionalmente e havendo motivo ponderável, poderá recorrer ao juízo competente que, no registro de nascimento, seja averbado o patronímico de seu companheiro, sem prejuízo dos apelidos próprios, de família, desde que haja impedimento legal para o casamento, decorrente do estado civil de qualquer das partes ou de ambas.

O dispositivo é resultado de reiteradas decisões das cortes brasileiras admitindo o uso, pela mulher, do nome do concubino. A partir da Lei 8.971/1994, regulamentou-se o disposto na Constituição Federal quanto à união estável, sendo que hoje, com o Código Civil, a previsão do art. 57, § 2º, da LRP, deve sofrer nova interpretação.[4] Tal é verdade, por conta mesmo do regramento da união estável na codificação civil, especialmente a proibição do § 1º do art. 1.723 (“A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente”) e a deliberação do art. 1.727 (“As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato”).

Autorização judicial. Para WALTER CENEVIVA[5] a exigência de autorização judicial decorre da expressão viver com (constante do § 2 do art. 57 da LRP), situação de fato característica da união estável, para permitir que o companheiro acrescente, ao seu, o sobrenome da companheira ou esta prefira ter o daquele, sendo cada alternativa excludente da outra. Acordarão ambos na solução a adotar, porquanto os direitos relativos ao cônjuge devem ser estendidos, nessa linha de pensamento, aos companheiros.

Conclusão. Do quanto exposto, conclui-se que, após a celebração do casamento ou o reconhecimento[6] da união estável, é possível a qualquer das partes adotar o sobrenome do outro, mesmo não tendo havido tal escolha em momento anterior. A alteração deverá ser feita por meio de ação competente, com conseguinte autorização judicial.

NOTAS:

[1] FARIAS, Cristiano Chaves de. A proclamação da liberdade de não permanecer casado (ou um réquiem para a culpa na dissolução das relações afetivas). Disponível em: http://www.flaviotartuce.adv.br. Material da 5ª aula da Disciplina Direito das Relações Sociais Aplicado ao Direito Notarial e Registral. Ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Notarial e Registral – UNISUL/REDE LFG.
[2] Idem, ibidem.
[3] In Código Civil e Legislação Civil em Vigor. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
[4] “Tendo em vista o tratamento dado à união estável no art. 226 da CF (origina uma entidade familiar) e à igualdade entre o homem e a mulher, em direitos, deveres e mesmo ao regime de bens, é razoável a exegese extensiva do § 2º, ora examinado, permitindo que qualquer dos companheiros adote o sobrenome do outro, desde que requerido em juízo, com ordem de averbação ao registrador.” CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos Comentada. 16ª ed., p. 146. São Paulo: Saraiva, 2005.
[5] Op. Cit.
[6] Leia-se, no curso da convivência, por força da interpretação possível, à luz dos dispositivos do Código Civil alusivos à união estável.

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