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Um certo país da África*


O artigo abaixo foi publicado em órgão que representa importante segmento profissional envolvido com a problemática imobiliária e da construção civil.

Recebi o texto meio a contragosto, enviado por um amigo que não integra a categoria de notários e registradores, mas acompanha com interesse o desenvolvimento de propostas para modernização dos serviços notariais e registrais brasileiros.

No e-mail enviado, havia o desafio para reptação dos argumentos expendidos pelo articulista.

Que artigo! E que articulista!

Numa síntese prá lá de apertada, simplesmente não deixou pedra sobre pedra que não tenha sido derribada… Sua volúpia destruidora não poupou o edifício da fé pública. Nem daqui, nem de certo “País da África”…

Fiquei aqui pensando não tanto no que o artigo expressa, como caudal irresistível de idéias inúteis, mas no que o seu cometimento lítero corporativo omite – ou tenta omitir: igualando-nos a certo “país da África”, deixa antever um sestroso preconceito cultural e racial, estabelecendo paralelos que não são lá muito lisongeiros. Nem com os habitantes de um certo “país da África”. Nem com nós outros, brasileiros.

É preciso responder, logo pensei, pois se há articulistas, há leitores, certo?

“Nem sempre, meu velho!” – assegura-me experiente amigo e editor. Encarregado de editar um hebdomadário dirigido a certa categoria profissional, afiança-me que seus assinantes não lêem os seus periódicos, embora o número de subscritores do jornal tenha aumentado a cada ano! “É mais um desses paradoxos”, sentencia, “como eunucos que não se procriam, mas se reproduzem”!


Eu do lado de cá ponho a minha barba de molho. Yo no creo en lectores, pero que los hay, los hay…

Entonces… Dizia o nosso articulista, em cuidadosa carta enviada ao amigo, que levara cinco anos de sua preciosa vida refletindo sobre o “dilema cartorial”.

Que espanto! Levou um lustro para chegar à convicção do acerto de suas opiniões. Fico só imaginando do que seria capaz falando de improviso!

Mas a mente caleidoscópica do nosso articulista cuidou de baralhar os conceitos, confundir as especialidades e de quebra provocou boas gargalhadas neste final de tarde cacete!

Peço vênia aos assinantes (em ascensão) deste blogue para dirigir algumas poucas palavras ao amigo curioso, rogando escusas pela peroração pseudo cultural.

Só “um sistema semelhante ao Argentino-Espanhol para o Brasil”.

Os sistemas a que alude o articulista são dissímiles – salvo nos postulados teóricos, ambos fulcrados na generosa fonte do direito hipotecário espanhol.

O sistema espanhol é idêntico ao brasileiro, inclusive funcionando com registradores não integrados na administração pública direta. Tanto lá como aqui, tratam-se de profissionais do direito que recebem a delegação diretamente do Estado. Exercem privativamente uma atividade pública. Não existe, como sugere o missivista, um órgão centralizado, uma nomenklatura registral. Os registros, por uma razão lógica – que mais poderia querer nosso articulista? – organizam-se por circunscrições. Os sistemas não se distinguem neste aspecto. Unicamente que os próprios registradores organizam a publicidade de maneira a possibilitar o acesso de qualquer parte do território nacional – e segundo nos afiança os registradores presentes no nosso Congresso – de qualquer parte do planeta, via internet.

Mas o sistema espanhol, em contraste com o brasileiro, apresenta alguma distinção.

Sim, há uma diferença! Nele vamos encontrar um plus na valoração que se confere ao ato de registro – isso por mais paradoxal que possa parecer. Por estas plagas, a inscrição ostenta o caráter constitutivo do direito real, diferentemente do espanhol, que em regra é meramente declarativo.

Mas os efeitos do registro na Espanha, para azar da sociedade brasileira, são muito mais importantes. Não por razões de ordem técnica ou jurídica – que nisto nos equiparamos, seja em virtude de um código civil valioso e de um regulamento de registro bastante adequado às nossas contingências sócio-culturais. Simplesmente, dá-se que a sociedade espanhola respeita os registros públicos. Enxerga neles um bem social. Os tribunais atuam ativamente na salvaguarda dos conteúdos do registro e do que estes publicam. A força dos registros encontra amparo no Poder Judiciário. E mesmo a administração pública reconhece e valoriza os efeitos saneadores e preventivos dos registros de segurança jurídica.

Enfim, de forma racional – que mais poderia querer o nosso articulista? – investe-se na valorização da profilaxia, não de mecanismos curativos da patologia das relações jurídicas, em grande parte previsíveis.

O nosso articulista parece ser versado na história do direito hipotecário argentino. Saberá, com certeza, que depois do advento do Código Civil, a Lei 1276, de 21 de maio de 1879, criou, para a província de Buenos Aires, o primeiro registro integral de bens imóveis – Registro de Propriedad, Embargos e Inhibiciones.

Criado em lei, contudo, os objetivos não se concretizariam. Foi extremamente difícil encontrar àquela época pessoas capazes de levar esses registros com profissionalismo e competência… (redarguiria ainda recentemente García Coni – “dificuldade não de todo superada…”).

Parecia estar se cumprindo, assim, o vaticínio de Vélez Sarsfield nos comentários ao título XIV, Livro III, do Código civil argentino que verberava com a dificuldade existente à sua época para “encontrar personas capaces de llevar esos registros”.

O marco legal de referência sempre foi o sistema espanhol, já nos albores deste século um fecundo, porém prolixo, sistema, na avaliação algo desolada do mesmo Sarsfield:

“para dar cumplimiento a leys de esa importancia, se han dictado los reglamentos más prolijos, se ha hecho un verdadero código del que nascerán más cuestiones que las que por esas leys y reglamentos se han querido evitar. Basta ver la ley hipotecaria de España, los reglamentos que la acompañan, las explicaciones y comentarios que lleva, para comprender las dificultades a que dará ocasión todos los días”. (apud Américo Atilio Cornejo, Derecho Registral, Astrea, 1994, p. VII)

Em meio a essas dificuldades, haveria de surgir, enfim, o registro predial de Buenos Aires… em La Plata! “O maior do mundo”!, na expressão do tratadista argentino (Raúl R. García Coni, Registración Inmobiliaria Argentina, Depalma, 1983, p. 120).

Logo depois, em 1881, pela Lei 1144, foi criado em Buenos Aires um registro substitutivo, com características paraestatais, sendo seu primeiro diretor Roque Sáenz Peña. Lamentavelmente, logo o registro de Buenos Aires foi “oficializado”, e o foi – pasmem! – como meio para se obter fundos para a construção do Palácio dos Tribunais…

Aliás, essa expressão equívoca – “oficialização” – acabou trasladada para cá, fez certa fortuna e serviu de calço para a miopia dos detratores do registro predial brasileiro. Até nisso macaqueamos soluções argentinas. Expressão desde sempre estúpida, foi criticada por um notável cearense, Professor Cláudio Martins, que registra: “de burocratização, na verdade, é que se trata, não de oficialização, pois oficiais já são [os serviços, of course]“.

Na verdade, depois de estatizado o serviço registral argentino – para cumprir tão nobres objetivos, como se viu -, os operadores do direito, e a própria sociedade, acham-se em busca de meios mais racionais e menos custosos para prestação desse serviço público essencial.

Assim, na voz autorizada de García Coni,

“o Poder Executivo nacional reitera seu propósito de entregar à atividade privada algumas tarefas atípicas que tanto têm contribuído para a sua hipertrofia burocrática”.

E continua (em espanhol especialmente para o nosso articulista):

“Ojalá se concreten tan buenas y reclamadas intenciones y se logre un adecuado redimensionamiento del frondoso aparato estatal, cuyas prestaciones resultan demasiado caras”.

García Coni chega a sugerir, com clareza palmar, que

“dada sua madurez institucional – que supera o se aproxima a una centuria – hay por lo menos dos colegios notariales del país que pueden asumir en plenitud la regencia de los registros inmobiliarios correspondientes a sua demarcación. Son ellos el de la Capital Federal y el de la provincia de Buenos Aires, que actualmente administran más del cincuenta por ciento de los recursos con que se desenvulven en los mencionados distritos los correspondientes registros, en los cuales el ochenta por ciento de la documentación que se procesa tiene génesis notarial.” (op. cit., p. 122).

Sabemos da pouca aptidão para o Estado gerir atividades que se não acham na órbita estrita de suas atribuições essenciais. Assim, na experiência argentina, deu-se o que todos os puristas temiam: um serviço estatizado subsidiado por uma entidade privada!

Sim, por assembléia de 8 de maio de 1962, o Colégio de Escrivães de Buenos Aires obteve autorização de seus membros, notários, para tomar a seu cargo a condução do registro predial. Em 1966, autorizado pela Lei 17050, o tal Colégio ofereceu e mantém apóio técnico e financeiro ao registro imobiliário da jurisdição respectiva. Qualquer coincidência com registro civil brasileiro é pura semelhança…

Em suma, compreende-se qual a razão de se qualificar o sistema argentino (e agora o brasileiro) de um verdadeiro fideicomisso…

Eu próprio tenho visitado registros prediais estatizados nessas minhas andanças latinas. À parte o elevado nível dos profissionais envolvidos, funcionam às expensas ou com a colaboração indispensável de notários. Aqui mesmo, no Brasil, temos experiências bastante eloquentes de como a estatização dos serviços notariais e registrais transformou-se numa verdadeira barafunda.

O sistema argentino, como se vê, não deve ser tido por nós como modelo paradigmático. Não só pelas confessadas deficiências, mas principalmente porque o registro predial de um país, assim como sua culinária, não deve ser o resultado de um furioso experimentalismo inconsequente. O resultado pode ser impalatável!

Para se chegar assim, depois de quinqüenal reflexão, à convicção do acerto da “adoção de um sistema semelhante ao Argentino – Espanhol” para o Brasil, é preciso muita imaginação – Como o Barão de Münchausen, foi preciso conceber um modelo com base num exemplo inexistente! E ele conseguiu, o nosso articulista.

Querido amigo cujo nome não declino. O artigo compõe-se de um conjunto espantoso de toleimas. Bem visto, trata-se de um amontoado de irrelevâncias, falsidades históricas, ignorância ativa, e certo rancor que mobiliza nosso querido articulista, como um Quixote às avessas, a afrontar realidades concretas que insiste em não enxergar.

A Modernização do Registro Público

O sistema REGISTRAL, em uso no Brasil, é bastante deficiente, tanto que o mesmo foi abandonado no resto do mundo, e hoje só é utilizado no Brasil e num País da África.

Como o sistema funciona em outros países :

Estados Unidos da América – As ESCRITURAS são confeccionadas por advogados, que realizam um curso de especialização, montam seus escritórios e atendem pessoalmente aos interessados; e o REGISTRO é feito na Prefeitura, que já possui outros registros de controle e cobrança de impostos, cuja base de dados é a mesma.

Argentina/Espanha – O ARQUIVO de dados é feito em órgão público, e o atendimento ao público para efetuar os REGISTROS é efetuado por cartórios particulares, mas sem exclusividade de área, circunscrição ou zona.

Canadá – Não existe Cartório de Notas para confeccionar ESCRITURA, os próprios interessados se dirigem ao REGISTRO DE IMÓVEIS e requerem a transferência do imóvel, num formulário padrão e na presença do registrador público.

No MUNDO INTEIRO, menos no Brasil e mais 1 ou 2 países, não existem CARTÓRIOS DE DISTRIBUIÇÃO EXTRAJUDICIAL para nenhum tipo de REGISTRO CIVIL.

Muitos estudiosos sugerem a adoção de um sistema semelhante ao ARGENTINO-ESPANHOL, em que o ARQUIVO e a sua manipulação esteja nas mãos de órgão estatal. Assim teríamos um efetivo controle de nascimentos, óbitos, casamentos, divórcios, titularidade dos imóveis, titularidade das pessoas jurídicas, etc.

Desta forma os ofícios registrais não seriam “donos” de uma base territorial com exclusividade. E seria adotada a existência de ofícios registrais tanto privados como públicos, concomitantemente, permitindo o cumprimento das leis que beneficiam pessoas carentes.

Sugerem a confecção de atos notariais, por todos os profissionais habilitados legalmente, sem concurso, gerando concorrência e qualidade.

Sugerem a EXTINÇÃO e a proibição de OFÍCIOS DE DISTRIBUIÇÃO EXTRAJUDICIAL, para qualquer área. Não trazem nenhum benefício, geram mais despesas, aumentam a burocracia e o tempo dispendido, e premiam os ofícios ineficientes.

Sugerem que sejam mantidos os OFÍCIOS REGISTRAIS na sua forma de delegação do serviço público, para contrabalançar a centralização dos arquivos públicos, mas criando alguns ofícios registrais públicos.

Em resumo :

1) Arquivo dos Registros em órgão público, centralizado e único.

2) Estes arquivos englobariam a área territorial de cada Estado e do Distrito Federal.

3) Os usuários teriam o direito de livre escolha do Ofício Registral mais acessível e eficiente.

4) Cada Ofício para processar / atender os devidos registros, trocaria informações e registros com o ARQUIVO DE REGISTROS PÚBLICOS.

5) Esta centralização seria para todos os registro. Imóveis, Casamentos, Óbitos, etc.

6) Extinção e proibição de Ofícios (Cartórios) de Distribuição.

Por Sérgio Jacomino, Observatório do Registro

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